Moreno: Boa tarde, presidente, muito obrigado por ter aceitado ser o nosso entrevistado.
Michel Temer: Boa tarde, Moreno, eu que fico honradíssimo em participar do seu primeiro programa, você está iniciando o programa. Tenho muita honra e muita alegria nisso.
O prazer é todo meu. Presidente, eu já começo fazendo a seguinte pergunta. Agora, no domingo, o senhor completa dez meses no cargo. Quando o senhor assumiu, ainda que provisoriamente, o senhor pensou que fosse tão difícil governar o país como está sendo?
? Imaginava, viu, Moreno. Porque você sabe que o país passou por um momento difícil. Convenhamos que qualquer impedimento sempre gera algumas questões muito angustiantes no país. Então eu tinha ideia disso. Em segundo lugar, eu tinha certeza de que haveria, ainda que eu assumisse provisoriamente, como assumi durante quatro meses, uma oposição orgânica muito acentuada, que foi capaz de fazer uma oposição muito efetiva, bastante militante. Então eu sei… Mas é interessante que, apesar de tudo isso, nós levamos o país adiante. Não nos abateu. Pelo contrário, nos vitalizou, para que realizássemos aquilo que nós achamos que o Brasil precisa.
O senhor falou nessa oposição, uma oposição muito radical, até, nas ruas. Chegamos a dizer: o país dividido praticamente ao meio. E curiosamente o senhor soube costurar uma aliança no Congresso que lhe dá uma maioria até razoavelmente folgada, não é, presidente?
? É verdade, Moreno. Realmente eu, desde o primeiro momento, eu disse que um dos meus objetivos principais seria pacificar o país, porque o Brasil nunca foi muito dessas divisões muito, vamos chamar assim, raivosas, ou de muitas disputas. Sempre houve disputas, argumentos. Mas realmente houve uma oposição muito forte. Mas sem embargo disso, com a maioria que nós obtivemos no Congresso Nacional, nós temos aprovado, você tem acompanhado, questões importantíssimas para o país e que não são fáceis de se aprovar. Se me permite mencionar, por exemplo, o teto dos gastos públicos é sempre uma coisa difícil. E foi aprovado por uma maioria muito além daquela que era necessária.
Agora o senhor está diante de um desafio grande, que é aprovar a reforma da Previdência. O próprio relator da matéria, o deputado Arthur Maia, considera difícil aprovar a reforma nos termos em que ela está colocada, sem alterar as regras de transição. O governo parece que está inflexível nessa questão, chegando até a ameaçar o Congresso, dizendo: “Se a gente não for por aí, nós temos que aumentar impostos”. Qual é a garantia que a população pode ter de que, caso o senhor aprove essa reforma da Previdência, logo em seguida não venha aumento de impostos, que é o que mais teme a sociedade?
? Olhe, Moreno, você sabe que, em primeiro lugar, as medidas que nós tomamos até hoje, até para nossa surpresa, nós esperávamos, digamos assim, um respiro na economia a partir do segundo semestre. Me permita repetir a palava, “respiro”, veio exatamente a partir de agora, em janeiro e fevereiro. A economia já começou a decolar. A recessão está ficando para trás. Evidentemente, se aprovada for, como espero que seja, a reforma da Previdência, o Brasil vai dar um salto. E acho que isso é em benefício de todos. Se você me disser: “Mas é difícil aprovar? Haverá observações?”. O governo mandou aquilo que acha necessário para que o Brasil não se transforme… Vou citar aqui, com toda a liberdade, porque já está já devidamente publicizado, não é? Que é a história do Rio de Janeiro, a história do Rio Grande do Sul, a história de Minas Gerais… Estados que estão passando por grandes dificuldades, exata e precisamente em função do fenômeno previdenciário. Então o Brasil não pode, daqui a quatro, cinco anos, transformar-se numa figura como está acontecendo com os estados brasileiros. Então, é aquela velha história: nós reformamos hoje para conservar, não só a aposentadoria daqueles que já a têm, como daqueles que irão buscá-la mais adiante. Mais ainda, para que haja também uma injeção na economia, de maneira a que o emprego retorne, o que nós temos muito em vista é o combate ao desemprego, não é? E acho que por isso a Previdência existe. Você me perguntará: “Mas haverá objeções, observações lá no Congresso?”. Haverá, e é natural que haja. Nós precisamos dialogar, não é? E vamos até onde pudermos. E o diálogo será sempre no sentido de evidenciar a necessidade de aprová-la tal como está.
Presidente, por falar em dialogar, eu até lembro na sessão do meu programa, chamado “História do Moreno”, eu estou lembrando do fato de que ainda bem que, na política, os homens públicos, por mais divergências, rompimentos que eles venham a ter, quando chega no momento de uma dor pessoal, uma adversidade pessoal, brota uma solidariedade espontânea. E isso a gente vê ao longo da História do Brasil. Podemos citar casos recentes, como o da morte da Ruth Cardoso, que o Lula e a Dilma foram visitar o Fernando Henrique. Agora, no caso que o ex-presidente Lula passou, e que o senhor esteve fazendo a visita, e o ex-presidente Fernando Henrique. Nesses momentos, embora a intenção não seja essa, coincide com a necessidade de o país retomar o diálogo exatamente para ver se resolve a maior recessão que estamos vivendo. E ao mesmo tempo ver se os homens públicos se entendem. Não com a preocupação que, jocosamente, alguém pode atribuir, dizendo: “Não, mas eles estão querendo dialogar para ver se escapam da Lava-Jato e tal.” Não. A crise é muito brava, é muito violenta. O país está, se me permite dizer, não por conta da sua gestão, mas o país está num buraco. Quer dizer, se os homens públicos não tiverem esse desprendimento, o espírito público de conversar, eu acho que a saída não está na eleição, não está na urna, bater chapa. Eu acho que o diálogo tem que existir. E a gente percebe que nesse sentido há sinais de busca de entendimento entre o governo e oposição. Não para um cooptar o outro, mas para discutir seriamente os problemas do país. O senhor percebe esse clima existente no momento?
? Olhe, em primeiro lugar, aqueles gestos das visitas que você mencionou significam gestos civilizados, não é? Acho que são gestos civilizadíssimos que merecem reconhecimento, até, convenhamos. Mas em segundo lugar, você sabe, Moreno, que eu faço muito uma distinção nessa questão da oposição, entre os gestos do governo e os gestos do governo que são matérias de Estado. Quando são matérias de Estado, não são apenas para, digamos assim, o meu governo. Mas são coisas que se implantam agora para todo o sempre. E como hoje o governo é nosso, mas amanhã pode ser de outrem, pode ser da oposição. Então, digamos, no instante em que eu promovo o teto dos gastos, no instante em que eu faço a reforma do Ensino Médio, no instante em que eu reduzo a inflação, no instante em que eu reduzo os juros, no instante em que eu libero as verbas do Fundo de Garantia, no instante em que nós possamos aprovar uma reforma previdenciária, até vou dizer a vocês, isso não vai repercutir imediatamente em função do meu governo. Vai repercutir para os próximos governos. Portanto esta é uma questão de Estado. E em matéria de Estado, nós temos que ter consciência de que é preciso esse diálogo que você está pregando e que nós pregamos também a todo instante. É fundamental que nós possamos dialogar, especialmente lideranças políticas, não é? Para que possamos tirar o Brasil daquele que você chamou, o Brasil do buraco. E acho que há essa boa vontade. Tenho impressão que isso existe e veja o apoio que nós temos no Congresso Nacional, por exemplo, que tem nos permitido respirar com muita tranquilidade.
Presidente, agora abordando as dificuldades políticas que o seu governo enfrenta, em função da Lava-Jato e de outros tipos de investigação que temos no país no momento, eu lhe pergunto: o senhor completando agora dez meses de governo, o senhor já fez oito substituições nos ministérios. O ex-presidente Fernando Henrique costuma dizer que, quando um ministro de Estado cai em desgraça, não adianta o presidente da República tentar segurar, que é muito difícil. Nós estamos aí na iminência… Não posso nem citar nomes, por leviandade, porque a gente não sabe nessa lista de Janot quem é que vem. Mas já temos ministros seus denunciados por delatores em operações no mínimo suspeitas, e algumas até inexplicáveis. Eu quero saber se o seu comportamento vai ser aquele que o senhor citou dias atrás, de que só quando ele virar réu, aí é que o senhor demite, ou o senhor vai deixar um ministro, que tem denúncias muito evidentes contra ele, ele sangrar até cair?
? São duas hipóteses, Moreno. A primeira delas, você falou em denúncia mas você quis significar delações, não é? Quando alguém falou de outrem. O que eu estabeleci como regra foi o seguinte: quando houver denúncia, juridicamente caracterizada, ou seja, o procurador-geral da República, por exemplo, denuncia o ministro tal ao Supremo Tribunal Federal. Ele (ministro) se afasta provisoriamente. Evidentemente, sem subsídios. Se ao depois ele se converter em réu, ele se afasta definitivamente. Agora, no momento em que alguém mencionou outrem vai ser objeto ainda de eventual inquérito ou não, eu não posso afastar o ministro. Pode ocorrer, e estou de acordo com você, que haja uma tal pressão que o próprio ministro, em dado momento, diga: “Olhe, não posso continuar, não quero continuar, isso aqui está me prejudicando demais, e eu vou cuidar da minha vida”. Isso pode acontecer, mas aí você sabe, eu tenho que esperar os acontecimentos.
Presidente, dez meses de governo, o senhor foi três vezes presidente da Câmara, presidente do PMDB, sempre foi um político voltado exclusivamente para a atividade política, e o senhor encontrava tempo de escrever poesia. Tanto é que até publicou um livro de poemas, cujo prefácio foi feito pelo ex-ministro do Supremo Ayres Britto, que também é um poeta. Eu lhe pergunto: nesses dez meses, o senhor, na presidência da República, teve tempo de escrever algum poema já?
? Você sabe que eu, de vez em quando, escrevo. Ainda recentemente, eu vinha num voo e escrevi uma coisa no guardanapo. Se você quiser, até eu leio para você: “Não percebeu. Mas uma semente pousou em seu coração. Germinou. Cresceu em galhos, folhas e flores. Atravessou os caminhos do seu corpo. Boca, olhos, ouvido, tato olfato. Todos os sentidos tomados pela mão pousada sobre a mão, pela proximidade da respiração, pelo leve roçar dos dedos, pelo olhar que penetrava, pelo perfume que dela vinha…”
É apenas uma poesia, não é?
“A planta assim nascida tinha nome. Paixão. Que não pode se manter, porque o objeto desse amor não tinha a mesma sensação. Sem correspondência, a planta feneceu. Percorreu de volta todos os caminhos. Aninhou-se em seu coração. Voltou a ser simplesmente semente?. Isso eu escrevi há poucos dias. Só pra dizer a você, fazer uma brincadeira, não é?
Presidente, o senhor nunca teve vontade de se inscrever na Academia Brasileira de Letras?
? Não, confesso que não. Eu tenho obras modestíssimas, seja no plano de Direito Constitucional, seja no plano da poesia, como você disse. São coisas modestas demais.
Presidente, voltando, já estamos quase no final da entrevista, fique tranquilo. Para encerrar, nós vamos entrar num tema de briga que está havendo na própria base do governo. A gente conhece o senador Renan Calheiros, sabemos que ele sempre foi um homem de idas e vindas, principalmente em relação ao senhor. O seu governo ele apoia, às vezes critica. Agora que ele deixou o cargo de presidente do Senado e agora é líder do PMDB, ele voltou a brigar, mas desta vez não diretamente com o senhor. Mas não deixa de atingir o seu governo quando ele diz que o deputado Eduardo Cunha está ocupando espaço dentro do governo. Ele cita o caso dos líderes do Congresso e da Câmara, o Ministério da Justiça, e aí ele diz o seguinte: “Volte logo, Eliseu Padilha, porque senão o Eduardo Cunha vai tomar conta do palácio”. Está havendo mesmo essa dominação do Eduardo Cunha no governo?
? Não, absolutamente não existe. E com o senador Renan eu tenho dialogado permanentemente, tenho certeza de que nós vamos continuar dialogando. Ele vai continuar nos ajudando, preocupado que é com o país, e sabe a importância das reformas. Portanto eu tenho absoluta convicção de que ele vai nos ajudar. Evidentemente, essas afirmações não têm sustentação, não é? Imagine se o Eduardo Cunha, que está, enfim, distante, não é, pode influenciar alguma coisa aqui. Não há influência nenhuma. Aliás, no caso do Ministério da Justiça, você se recorda de que num primeiro momento eu até pensei no Antonio Claudio Mariz, que não pôde assumir. Depois, no Carlos Mário da Silva Velloso, que é um ex-ministro do Supremo. E como terceira opção, mas uma opção muito adequada, é que veio o Osmar Serraglio, que é professor universitário, jurista, não é? Então não tem nada, não tem influência nenhuma. E quanto a essa relação com o Renan, eu tenho certeza de que ela vai continuar sólida como foi no passado.
Presidente, o senhor falou no Mariz. O que está acontecendo com ele? O senhor o chamou para ser seu assessor, ele parece que recusou. Uns dizem que parece que ele vai aceitar. Ele vai ter alguma função, realmente, no governo?
Michel Temer: Sabe o que acontece? Você sabe que ele é meu velho amigo, não é? E ele, na verdade, quando pensamos em uma assessoria para cuidar até dos assuntos penitenciários, não é? Ele foi consultar a questão da Ordem dos Advogados para saber se ele poderia continuar advogando, porque ele tem um escritório muito próspero. E verificou que ele teria de se afastar da advocacia. E aí ele me disse: “Olha, Temer, eu não posso me afastar do meu escritório, que construí durante anos seguidos, para uma questão transitória”. E eu compreendi perfeitamente. Até, convenhamos, se eu estivesse num escritório como o dele há tanto tempo, talvez não abandonasse. Não abandonasse a advocacia, não é?
Presidente, nossa entrevista está chegando ao fim. Vou lhe fazer uma pergunta, que obviamente já sei qual é a resposta. Mas é que em política a gente nunca pode dizer não nem sim definitivamente. Evidentemente que se o senhor conseguir recuperar a economia, se o senhor conseguir manter uma base parlamentar até lá, ou como diria o doutor Ulysses, que lembrava que com o “se”, você botava Paris dentro de uma garrafa. Mas com todas essas possibilidades, se o senhor chegar ao fim do seu governo, já quase na metade do fim, numa situação razoável, o senhor não será fisgado pela mosca azul a tentar uma reeleição?
? Você sabe que se eu chegar ao final do governo com essas condições, e tenho quase absoluta certeza de que chegarei nessas condições, a única coisa que eu quero, Moreno, é ser reconhecido mais adiante pela História. Nada mais do que isso. Eu terei feito meu trabalho e sairei com a consciência de quem prestou um serviço ao país e será recordado por esse serviço que prestou ao país. Eu só quero isso, com toda a franqueza.
Presidente, nós estamos fazendo uma entrevista gravada porque o senhor, no momento em que esta entrevista está sendo veiculada o senhor está em viagem no Nordeste do país. Durante os primeiros meses do governo, o senhor esteve numa posição muito acanhada. As pessoas diziam que essa coisa do “Fora, Temer” incomoda o presidente, que ele estava se sentindo refém dentro do próprio palácio. Aí de repente o senhor resolve sair. O que motivou o senhor a enfrentar esse “Fora, Temer”?
? Michel Temer: É que nos primeiros momentos eu tinha que organizar as coisas aqui. Já contei a você no passado que tinha que organizar o ministério em oito dias, não é? Eu não tive exatamente uma transição. Eu tive que estabelecer o governo inteiramente por conta própria. Então nos primeiros meses eu tive que ficar aqui. Agora, interessante, eu registro um fato. Você sabe que nos primeiros momentos era a história do golpe, do “Fora, Temer”. Depois, quando verificaram que não prosperava, passaram a dizer que a economia iria para o fundo do poço. E não foi, não é? Agora não sei o que é que vão inventar. Mas a partir daí, eu confesso, quatro meses passados, mais ou menos, eu comecei a viajar. Estou aqui no Nordeste, é a terceira ou quarta vez que venho aqui ao Nordeste, fui ao Sul, fui ao Sudeste, tenho viajado com muita frequência para fazer a presença da Presidência da República em todas as partes do país. Tenho feito isso.
Presidente, muito obrigado, mas obrigado mesmo, pela sua gentileza de nos dar a primeira entrevista para o programa “Moreno no rádio”. Muito obrigado e sucesso aí na sua viagem.
? Muito obrigado, um grande abraço de você. Muita honra, viu?
Obrigado, presidente.