RIO – Pelo menos dois dos estados cujos governadores estão na lista de Janot aparecem entre os que apresentam os piores indicadores fiscais do país. Embora a situação fiscal não seja consequência da Lava-Jato, Rio e Minas Gerais ocupam o primeiro e o terceiro lugares, respectivamente, no ranking do limite de endividamento estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Na vida real, a crise envolve salários atrasados, filas em hospitais e alunos sem aula por falta de pagamento de professores, como vem acontecendo na Uerj. (Clique aqui e receba as newsletters do GLOBO)
Por lei, a dívida dos estados não pode superar 200% de sua receita. O Rio, governador por Luiz Fernando Pezão (PMDB), fechou o ano de 2016 com a relação entre endividamento e receita de 232%. No ranking, é seguido por Rio Grande de Sul (212,9%) ? cujo governador não aparece na lista ? e Minas Gerais (203,1%), que tem o petista Fernando Pimentel à frente. Os demais governadores citados são Beto Richa (PSDB-PR), Renan Filho (PMDB-AL) e Tião Viana (PT-AC). Os três estados têm situação fiscal mais confortável.
Esse indicador é importante porque, caso o limite seja ultrapassado, os estados ficam proibidos de tomar novos empréstimos, comprometendo sua capacidade de investimento, por exemplo. No seu cálculo são consideradas a chamada dívida consolidada líquida ? ou tudo o que o estado deve menos o que tem em caixa e outros recursos, como aplicações financeiras ? e a receita corrente líquida. Essa, basicamente, é a arrecadação com tributos e repasses, menos deduções previstas em lei, como transferências constitucionais.
Tradicionalmente, os estados de Sul e Sudeste têm dívidas maiores, o que não é necessariamente um problema, uma vez que têm economias mais fortes. A partir de 2014, porém, os estados de, forma geral, tiveram queda de receita, com a crise econômica. Fatores estruturais fizeram que Rio e Minas Gerais tivessem um baque maior na arrecadação.
MAQUIAGEM NAS CONTAS
? São estados que têm suas economias atreladas a setores exportadores como mineração e siderurgia, no caso de Minas Gerais, e de petróleo, no Rio. Com a queda nos preços, eles tiveram perda de receita. No Rio, isso foi agravado ainda mais com a crise da Petrobras e seus fornecedores (a partir da Operação Lava-Jato) ? explica Rodrigo Orair, do Ipea. Lava-Jato
No Rio, o ritmo das despesas não acompanhou a queda na arrecadação com royalties do petróleo e com ICMS. Pelo contrário. A rigidez orçamentária ? seja pelos reajustes dos salários dos servidores ou pelas destinações de recursos à saúde e educação previstas em Constituição ? e o aumento da demanda dos serviços públicos em meio à crise fizeram os gastos crescerem.
Em 2015, a relação dívida/receita do Rio era de 197,5%. O salto, em 2016, segundo o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), presidente da Comissão de Tributação da Alerj, também se deve à ?maquiagem das contas?. Segundo ele, foram contabilizados como receita depósitos judiciais de R$ 7 bilhões naquele ano, o que não poderia ser feito. A Secretaria da Fazenda do Rio nega e diz que seguiu determinação do Ministério da Fazenda.
O cenário de descompasso entre receitas e despesas se repetiu nos demais estados, em maior ou menor grau. Gabriel Barros, da Instituição Fiscal Independente (IFI), criada pelo Senado para acompanhar as contas públicas, lembra que os gastos com pessoal são crescentes basicamente por três fatores: os reajustes plurianuais acertados antes da recessão ? como no caso de bombeiros e policiais militares fluminenses ?, a paridade com inativos e novas contratações.
“HERANÇA MALDITA MAIS BAIXA”
No Rio, o gasto com pessoal representou 72,3% da receita corrente líquida em 2016, desrespeitando mais uma regra da LRF, que estabelece o teto de 60%. Nos demais estados cujos governadores foram citados na lista de Janot, esse percentual ficou entre 47,42% (Alagoas) e 58,94% (Minas Gerais), segundo levantamento feito pela IFI. Barros frisa que os dados têm por base o que é informado pelos estados ao Tesouro Nacional, o que pode ter algumas inconsistências:
? Muitas vezes os governos não contabilizam coisas que deveriam entrar no cálculo. O percentual pode ser ainda maior.
A situação fiscal mais confortável dos estados de Norte e Nordeste também é explicada porque eles pouco se endividaram no passado, diz o pesquisador do IBRE/FGV José Roberto Afonso:
? Boa parte da dívida estadual atual é decorrente de sucessivas renegociações de outras dívidas feitas há quase meio século. Eles pouco se endividaram nos anos 1970 e 1980, muitos eram territórios. A herança maldita é mais baixa ? diz o especialista, lembrando que os entes no Norte e Nordeste são mais beneficiados com o repasse do Fundo de Participação dos Estados.