RIO ? O educador português António Nóvoa apresentou rumos para a nova educação. De acordo com o reitor honorário e professor catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, que fechou o congresso internacional Educação 360, é preciso educar para unir e libertar as crianças.
? Aprendendo juntos os caminhos de cada aluno. A escola é o lugar do comum. Só em comum nos educaremos. Se não, não percebemos os desafios da comunicação. Pertencer ao comum, não implica homogeneização, mas, sim, o esforço de nos libertarmos. Se não formos capazes de fazer esses dois movimentos, qualquer coisa fica perdida no ato educativo ? afirmou.
Nóvoa ainda criticou propostas de currículos ?cortado em fatias?. Ele defende que é necessário que a grade de conteúdos tenha capacidade de interligar o mundo em torno de grandes temas e grandes problemas e que não se consegue isso ?diminuindos as filosofias ou as artes ou as educações físicas ou outra coisa qualquer?. Na última quinta-feira, o Governo Federal lançou uma Medida Provisória que tirava essas disciplinas da grade obrigatória do ensino médio. Um dia depois, voltou atrás e afirmou que elas não deixaram de ser obrigatórias.
? Só uma escola com caminhos, cooperação, comunicação e criação é capaz de resolver a seguinte provocação: é preciso substituir o aborrecimento do viver, de jogar, pela alegria de trabalhar, de pensar. O professor tem que ensinar duas grandes coisas: a condição humana, tudo o que nos faz estar em paz com o outro, e a identidade terrena. Precisamos de um currículo de inteligência do mundo. Não um currículo de especialistas especialmente especializados, em que tudo é cortado em fatias e não há inteligência ? defendeu o educador português, sem citar a medida provisória editada na última semana ? Reformas curriculares têm sido condenadas ao fracasso nos países. Só os que desistiram de fazer isso são os que deram certo.
Nóvoa ainda defendeu que é preciso ter liberdade para os professores e nas escolas. Ele afirmou que argumentam que as escolas brasileiras não estão preparadas e que professores são mal formados, mas que isso não é válido,
? Então que se formem melhor os professores e se reforcem a escola ? afirmou.
O educador ainda criticou ?projetos que se proliferam no ano de 2016 que tentam fechar as crianças? em seus meios sociais, como a família, religião, cultura ou comunidade. De acordo com Nóvoa, o enraizamento é importante, mas é preciso apresentar o mundo para uma educação libertadora.
? Claro que a comunidade, família e religião têm direito e obrigações de educar. Mas educação escolar é de outra tipo. Nós professores apresentamos o conjunto de toda humanidade e visões do mundo para que ela queira novos olhares. A escola não é apenas um serviço. E muitas políticas educativas são erradas porque acham que é um serviço. Não é apenas um serviço, é uma instituição. É aquilo que nos institui como seres humanos e na vida em democracia.
O professor afirma ainda que os professores assumam a formação uns dos outros, em trocas de conhecimento. Segundo ele, não podem ser apenas os políticos que ditem os rumos das políticas públicas da educação.
? É do conhecimento nas nossas cidades, dessa trama que se faz um espaço público da educação, tem que ser ao mesmo tempo um espaço da liberdade, participação, decisão. Nós (professores) temos que decidir sobre a educação. Não podem ser apenas os políticos. A educação existe num espaço público de liberdade, sem participação e deliberação. Nós professores a nossa palavra a dizer. Essa deliberação é absolutamente central. O espaço públicos têm que ser deliberativo onde se envolve professores e os pais, não como clientes do serviço, mas como cidadãos com direitos a falar sobre a instituição escola ? afirmou Nóvoa: ? Não há trabalho mais forte na pedagogia do que a palavra cooperação. Ela vem de muito tempo atrás. Vamos formar mutuamente uns aos outros. Sabemos que os alunos aprendem mais uns com os outros, o que não diminuiu em nada o nosso trabalho e nossa responsabilidade, mas nos faz organizar o trabalho de maneira diferente.
O esforço, segundo ele, é parte fundamental do processo de aprendizado. Segundo Nóvoa, ?a aprendizagem só acontece quando juntos nos descobrimos e nos recriamos? e ?quando não fazemos esforço, ficamos amputados de uma parte da humanidade, daquilo que nos permite ver. é um trabalho e autoconhecimento, de interconhecimento, que nos junta em um conhecimento com consciência humana?.
? O meu maior pesadelo é a indiferença. Ele estava adormecido há uns anos, mas renasceu muito forte para a preparação dessa palestra. Me lembro de uma citação brutal: ?A primeira grande guerra mundial nao aconteceu e sobretudo pq havia o mal, criminosaas, pessoas agressivas, não foi por causa disso. Aconteceu sobretudo pela indiferença de quase todos nós. Foi a insensibilidade da capacidade de perceber que estava acontecendo alguma coisa que permitiu a guerra?. Nós professores não podemos nos esquecer disso. Na escola, não podemos cultivar a indiferença ou um conhecimento que não tenha humanidade dele ? resumiu Nóvoa: ? Nada substitui o bom professor.
* Do “Extra”.