RIO ? Grupos ambientalistas estão travando uma batalha com a indústria do carvão por causa de um trecho da Medida Provisória 735, chamada de MP do setor elétrico. Em seu artigo 20, o texto, aprovado pelo Congresso Nacional no último dia 19, prevê a criação de um ?programa de modernização? para implantar novas termelétricas a carvão no país. Seus defensores alegam que o objetivo é aumentar a eficiência do parque já instalado. Os críticos, porém, afirmam que o artigo pode colocar em risco os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris para reduzir emissões de gases do efeito estufa. Às vésperas de o acordo entrar em vigor e do início da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP22), ambos na primeira semana de novembro, os ativistas reivindicam o veto a esse item da MP 735, que aguarda apenas a sanção do presidente Michel Temer. aquecimento
Para pressionar o governo, um grupo de 21 organizações ambientalistas encaminhou uma carta ao presidente pedindo o veto. O trecho da MP diz que o ?poder concedente deverá criar programa de modernização do parque termelétrico brasileiro movido a carvão mineral nacional para implantar novas usinas que entrem em operação a partir de 2023 e até 2027?. Para os ativistas, isso vai contra o compromisso assumido pelo Brasil de expandir o uso de fontes renováveis no setor da energia.
? Esse artigo vai completamente na contramão dos esforços globais de redução das emissões de gases-estufa ? critica Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, umas das organizações signatárias da carta, ao lado de ONGs de peso, como WWF-Brasil e Greenpeace. ? O carvão é a principal fonte das emissões no mundo no setor de energia. Está todo mundo tentando se livrar e nós, entre 2023 e 2027, vamos incentivar novas usinas.
FONTE DE POLUIÇÃO E DANOS À SAÚDE
A carta destaca ainda que ?as térmicas a carvão configuram importantes fontes de poluição local, contribuindo para problemas de saúde da população?, além de consumirem grandes volumes de água: ?Para se ter uma ideia, uma usina em construção na cidade de Candiota, no Rio Grande do Sul, operará 340 megawatts a partir de carvão mineral, podendo ser responsável pelo consumo de água equivalente à população de uma cidade de 89 mil habitantes, em uma região que já sofre com a escassez hídrica?.
O carvão mineral é a fonte energética mais poluente, responsável, segundo os ambientalistas, por quase um terço das emissões de CO2 no planeta. De acordo com relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de junho deste ano, estão em operação no país 23 térmicas movidas a carvão mineral, com capacidade instalada de aproximadamente 3.600 megawatts, apenas 3,3% do total. A Região Sul concentra oito das 13 maiores usinas.
? Dentro da geração de energia no país, cerca de 25% das emissões de gases do efeito estufa estão associadas a térmicas a carvão ? diz Marcelo Cremer, do Instituto de Energia e Meio Ambiente.
O próprio governo federal vem sinalizando a priorização das fontes limpas de energia. No início do mês, o BNDES aprovou novas condições de financiamento para o setor, que proíbem apoio a investimentos em termelétricas a carvão e óleo combustível, que são mais poluentes.
?O DISPOSITIVO É ANACRÔNICO?
A MP do setor elétrico reduz a cobrança da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) de estados do Sul e Sudeste e abre caminho para a Eletrobras privatizar distribuidoras de energia. Mas a maior polêmica foi mesmo criada em torno do artigo 20. Durante a votação no Senado, João Alberto Capiberibe (PSB-AP) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentaram requerimento pedindo impugnação do projeto, alegando que a medida pode incentivar a criação de novas termelétricas a carvão.
? O dispositivo é anacrônico. Não só com o Brasil, como com o mundo ? diz Rodrigues. ? O Acordo de Paris propõe zerar o funcionamento de termelétricas movidas a carvão, e esse artigo cria um incentivo.
Caso o artigo não seja vetado, o senador da Rede considera ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade, alegando que a criação de programas por meio de Medida Provisória não respeitaria a Constituição.
Já o senador Dário Berger (PMDB-SC) é um dos principais defensores da medida. Ele diz ser um entusiasta do modelo de energia limpa, mas não ter ?outra alternativa senão defender os interesses? do seu estado, por uma ?estratégia de transição de médio e longo prazo? para que a indústria em torno da geração energética por carvão não seja desmantelada. Segundo a Aneel, o estado tem três usinas em operação e outras duas em fase de projeto.
? Se o governo não procedesse dessa maneira, seria o caos ? diz Berger. ? A indústria carbonífera é o principal vetor econômico em algumas regiões do Sul, incluindo o meu estado, e essa é a minha preocupação. Se porventura isso venha a ferir a nova política energética do país, o presidente tem poder para vetar esses termos.
Para Fernando Luiz Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral, o artigo cria um programa de modernização, não de incentivo para a implantação de novas térmicas. O investimento estimado é de US$ 5 bilhões.
? Você vai derrubar as plantas mais antigas e construir plantas novas, mais eficientes e com menor impacto ambiental ? diz Zancan. ? A própria lei estabelece redução de 10% nas emissões. Poderia ser até mais, já existe tecnologia para isso, mas depende da vontade do governo.