Cotidiano

Haddad: ?Minha tarefa de curto prazo será o recolhimento?

Fernando HaddadSÃO PAULO ? Tido como aposta de renovação no PT, apesar da derrota em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad voltará a dar aulas e diz estar mais preocupado em construir um campo de centro-esquerda do que com eleições.

O PT tem pedido diretas já e fora Temer. O senhor é a favor?

A situação está se tornando cada vez mais delicada porque há uma sobreposição de crises e aparentemente (Temer) não consegue se livrar de nenhuma delas. Nem da ética, nem da econômica, nem da política. A todo momento se busca uma solução casuística, o próprio afastamento da presidente Dilma foi casuístico.

O senhor se orgulha de ter deixado as contas de São Paulo em ordem, mas ao mesmo tempo critica a PEC do teto de gastos do governo federal.

Tenho criticado por razões bastante objetivas. Em primeiro, não foi discutida com a sociedade. Em segundo, a PEC impõe que, nos próximos 20 anos, toda ampliação e qualificação de serviços públicos se dê pelo aumento de produtividade do setor público, o que não vai acontecer. Há um problema gravíssimo de calibragem. A conta não vai fechar.

São Paulo

O senhor já falou que haverá no mundo uma disputa entre a direita e a centro-direita. Também enxerga esse panorama no Brasil?

Existe um risco, sobretudo, se não houver por parte do centro e da centro-esquerda, a percepção dos riscos e uma reaglutinação em torno de uma plataforma programática.

A oposição, por enquanto, tem apostado apenas na oposição ao governo Temer?

A desaprovação é muito grande às medidas que estão sendo adotadas. Como economista, duvido que os supostos resultados positivos virão no curto prazo. Então, nós podemos chegar em 2018 numa situação de tensão social.

O senhor pensa em se afastar da vida pública?

Uma coisa é a participação política na vida pública como cidadão, isso é incontornável. Vou dar aulas, sou cientista político, não tem como não participar da vida pública. A outra coisa é pensar em eleição. Isso não está no meu horizonte de curto prazo.

O senhor já anunciou que pretende também fazer consultorias. Os ex-ministros Antonio Palocci e José Dirceu foram envolvidos na Lava-Jato por causa das atividades de consultor. Que cuidados o senhor pretende tomar?

Tem uma série de protocolos que precisam ser adotados para evitar conflito de interesses. Cuidado máximo.

O senhor continuará no PT?

Continuo no PT.

Mas vai continuar?

Minha tarefa de curto prazo será o recolhimento e também uma participação política na condição de cidadão, de professor (na USP)

O PT vai fazer em abril um congresso para definir os seus rumos. O senhor pretende participar?

Eu posso participar, mas não tenho, por exemplo, pretensão de assumir cargo de direção, como foi ventilado.

Muita gente no PT entende que o senhor representa uma renovação do partido e seria importante a sua participação na nova Executiva.

Não posso me debruçar sobre uma hipótese que não foi, sequer, conversada comigo e desconheço. Estou mais preocupado em ajudar o campo de centro-esquerda. Porque eu acho esse campo importante para o equilíbrio de um capitalismo nos moldes do brasileiro, um capitalismo muito cruel para os de baixo. E eu entendo que a desigualdade vai aumentar no Brasil se essas reformas prevalecerem.

Mas como deve ser a composição desse campo?

Deve tentar agregar as pessoas que têm compromisso com um país menos desigual em torno de um programa mínimo. E, num segundo momento, discute-se quem vai liderar o processo de defesa dessa plataforma.

Sem hegemonia do PT nessa discussão?

Estamos num momento em que a aglutinação de forças é mais importante do que qual delas vai prevalecer sobre as demais.

Qual deve ser o principal ponto dessa plataforma de centro-esquerda?

O maior problema do Brasil é o déficit de republicanismo. É impressionante. Instituições que deveriam funcionar mais do que nunca de forma republicana não estão funcionando adequadamente.

O senhor acha que Ciro Gomes é um homem que pode encabeçar esse campo em 2018?

Olha, eu tenho uma boa relação com o Ciro, conheço o trabalho dele como governador, como ministro, tenho apreço por ele, mas há outros nomes colocados também.

O Lula?

O Lula é sempre um nome, lidera as pesquisas em todos os cenários, cresceu e vai continuar crescendo porque a lembrança dos tempos do Lula são recorrentes no imaginário da sociedade. Quanto mais aguda a crise, mais as pessoas vão se lembrar daquele período.

Mas ele escapa das acusações da Lava Jato?

É unânime, pelo menos no meu circulo, e conheço muitos juristas, que a fragilidade das acusações até aqui é latente.

Qual a sua avaliação sobre a Lava-Jato?

A Lava-Jato tem duas possibilidades. Se a Lava-Jato for republicana e imparcial, será o começo da superação desse estado. Se ela não for, vai promover a troca de comando do mesmo estado patrimonialista de sempre.

O partido deveria ter mecanismos internos para controlar seus dirigentes?

As instâncias internas do PT se esvaziaram muito em função do sucesso eleitoral. Todo mundo foi para os governos. Essa relação é muito delicada.