Cotidiano

Rayén Gutiérrez Cortés, museóloga: 'ainda há ressentimento com os exilados'

“Tenho 31 anos, sou casada e tenho uma filha pequena, de quem me separei pela primeira vez agora, vindo ao Rio. Sou bacharel em História e tenho mestrado em Museologia pela University College de Londres. Moro em Santiago.”

Conte algo que não sei.

Desde 2014, trabalhamos para aprofundar o debate sobre os exilados chilenos. É um tema que não discutimos muito, não há muita investigação para entender com profundidade as experiências deles e o que significou ter de partir durante a ditadura, deixar a família num contexto de muita violência. Esses testemunhos quase não foram coletados.

Qual a proposta do museu?

O museu se propôs a conhecer as histórias dos que partiram e dos que retornaram ao Chile a partir dos anos 1990, que encontraram um país diferente e que tiveram de superar o medo e a desconfiança no outro. Também é importante o testemunho daqueles que nunca regressaram. Por que ficaram no exílio? Criamos uma plataforma on-line, um fórum que permite aos exilados, principalmente os que não voltaram, a postarem seus testemunhos, fotos e vídeos e se conectar com outros exilados. Esse material também é importante para os que ficaram no Chile durante a ditadura, porque sempre fizeram críticas ao exilados, dizendo que tinham uma vida boa fora do país. Há ainda um ressentimento com os exilados. A plataforma ajudou a organizar grupos que vivem em vários países.

Como a visão que exilados tinham do Chile contribuiu para a formação da identidade política e cultural do país?

Ela não se incorporou. Depois da abertura democrática, não creio que foi ouvida a opinião dos exilados. A proposta do museu é justamente abrir essa janela. Os que regressaram eram como estrangeiros no Chile. O museu é apenas uma iniciativa de aproximação.

Seu museu celebra o respeito, a diferença e a tolerância. Acha que esses valores estão ficando raros?

Sim. Mais do que nunca. Por isso, o lema do nosso museu é “Nunca mais”. Tratamos para que o que ocorreu no Chile em termos de direitos humanos nunca mais se repita. Mas, infelizmente, é o que está acontecendo. Assim, o nosso lema se transformou para “Hoje, mais do que nunca”. Temos muitos casos de violência policial, principalmente contra as pessoas de origem indígena mapuche.

No Brasil, diz-se que o povo tem memória curta. E políticos se aproveitam disso para se manter no poder. Esse fenômeno ocorre no Chile?

Sim. Houve denúncias contra muitos políticos e um ex-presidente e as pessoas continuam votando neles. Há dois candidatos presidenciais fortes, ambos com denúncias contra eles. Mas um deles será o próximo presidente. Temos uma péssima memória, lamentavelmente. E, em alguns casos, não há alternativas. É um fenômeno de toda a América Latina e de outros países.

E como está o Chile algumas décadas após Pinochet?

Hoje, vive mais fortemente as consequências da ditadura em termos econômicos e políticos. Conflitos sociais foram gerados, e a desigualdade cresceu. A riqueza do país está concentrada em dez famílias. De fora, percebem o Chile como um país estável economicamente. Mas estável para quem? Há uma grande parte da população sem acesso à educação e à saúde de qualidade. O país precisa de mudanças estruturais do modelo que veio da ditadura. A democracia não fez as reformas que deveriam ter sido feitas. Os chilenos ficaram esperançosos com o primeiro governo de Michelle Bachelet, mas não vimos vontade de fazer as mudanças, e se tornou grande decepção. Agora, estão investigando denúncias de corrupção no governo.