Montesquieu, filósofo francês do século XVII, ficou famoso por defender a necessidade da divisão das atribuições do poder do Estado, em um modelo tripartido a fim de evitar abusos e excessos de poder que pudessem recair em despotismo ou tirania. Assim, o Estado detém três principais atribuições: legislar (criar leis), executar as políticas e julgar, cabendo essas a três poderes distintos e independentes entre si: Legislativo, Executivo e Judiciário, que exercem controle uns sobre os outros, mas não se impõem. Não há, portanto, um poder maior que outro.
A maior discussão contemporânea diz respeito à relação complexa entre quem edita as leis (os políticos, diante de uma democracia representativa, como exemplo o Congresso Nacional) e quem garante a conformidade do Direito, especialmente com relação à Constituição (como exemplo, o Supremo Tribunal Federal), sendo que no primeiro caso, o processo de edição é moroso e burocrático para garantir a existência de segurança jurídica, enquanto que o segundo tem a flexibilidade de analisar cada caso em concreto e permitir alterações de interpretação mais céleres.
Para as relações familiares, a moralidade conservadora e religiosa engessou a definição de família e seus efeitos por muito tempo; dogmas e paradigmas custaram a serem rompidos, tendo em vista a legislação estipulada a partir de representantes de ideologias tradicionais. Não se quer dizer que o modelo de família tradicional seja ruim, porém a sua limitação na lei reduz o alcance de efeitos materiais e imateriais para famílias que, embora existam, não detém a estrutura familiar padrão e, por consequência, os mesmos direitos. Assim, o modelo patriarcal de família impediu, por longo período, que modelos diversos, ainda que calcados no afeto, não pudessem ter direitos reconhecidos.
Por esse motivo, os Tribunais, em seu papel de aplicar a lei no caso em concreto, visando à justiça, aos poucos abriram espaços para novas conformações familiares, tendo como ponto de partida o afeto enquanto dever de cuidado entre os membros de uma família. Se a Constituição Federal, enquanto lei maior, garante a igualdade e a pluralidade das formações familiares, os juízes, gradativamente reconheceram as famílias oriundas da relação de união estável, as famílias monoparentais e homoafetivas e, mais recentemente, famílias que rompem com o paradigma da monogamia.
O respeito à autonomia privada tem sido ampliado massivamente, de modo a permitir a contratualização de relações familiares antes não pensadas e, em alguns casos, ainda não aceitas pela moralidade social. Ocorre que a e a concessão de direitos para alguns enseja no cumprimento de deveres pelos demais, havendo, pois, conflitos sociais, devendo a sociedade buscar o equilíbrio social. Nesse sentido, buscam-se alterações legais que restrinjam a amplitude de famílias e seus direitos outrora reconhecidos, com alterações ao Código Civil.
Nessa esteira, tem-se rediscutido temas como o aborto ou mesmo a relação homoafetiva, com debates acalorados sobre posições antagônicas pela regulamentação de situações jurídicas complexas. Ainda que, por uma moral tradicional, almeje-se a proibição de tais condutas por imperativo legal, não se deve desconsiderar a divergência entre a legalidade e a justiça, a moralidade e o direito, nem que, por vezes, a intenção do legislador não cumpre sua função social por dissonância entre esses elementos, sendo inócua.
Afinal de contas, não se amarram homens livres e éticos pela lei, mas pela concepção sobre o justo e o certo, sendo que o respeito à humanidade é o fim último do direito. Além disso, a convivência e o respeito à diferença é desejada em uma sociedade eticamente orientada, no intuito de que não haja despotismo e tirania entre os cidadãos, da sujeição de uns pelos outros.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas