Opinião

Carreira ou maternidade?

Carreira ou maternidade?

A partir da segunda metade do século passado, entrou em curso uma profunda mudança cultural que afetou, sobretudo, a perspectiva de vida das mulheres. Antes disso, tradicionalmente, a mulher enxergava a realização de seu destino como mãe trabalhando no lar, administrando a casa e os filhos. As transformações culturais recentes fizeram com que, especialmente, as mulheres se vissem na condição de buscar outra forma de realização humana e a encontraram, principalmente, na carreira profissional.

Hellinger faz uma avaliação crítica dessa opção que, para algumas mulheres, pode parecer uma defesa patriarcalista. Segundo Bert, “há uma ilusão culturalmente gerada que as ajuda nisso: a de que ter uma carreira satisfaz mais a mulher do que ficar trancafiada em casa com os filhos. Não acredito que ficar o dia inteiro num escritório, diante do computador, possa ser intrinsecamente mais gratificante do que permanecer em casa com os filhos” (Hellinger, B. A simetria oculta do amor, p.79).

Obviamente, seguir uma carreira profissional não impede, necessariamente, a mulher de realizar a maternidade. No entanto, o auge de sua carreira profissional costuma coincidir com o limite de sua vida reprodutiva para tornar-se mãe. Decidir-se pela maternidade nesse momento aparece, para algumas mulheres, como renúncia à carreira. A decisão que se coloca diante delas passa a ser: ser mãe e renunciar à carreira ou seguir no trabalho e renunciar à maternidade?

Segundo Hellinger, detrás da opção pela carreira há um desconhecimento da importância daquilo que outrora era a plenitude da feminilidade e passa-se a desdenhá-la. “Isso faz com que as mulheres se atirem a uma carreira, mas ao preço de perder a ligação com um aspecto fundamental da condição feminina e não o respeitam mais” (Hellinger, B. A simetria oculta do amor, p.79).

Existe algum modo de evitar esse destino? Sim, pondera Hellinger, mas depende de como se lida com aquilo a que se renunciou. Assim, quando ter filhos e/ou se dedicar ao lar é desprezado e desmerecido, a decisão de se dedicar à profissão perde valor e importância.

No entanto, se, em vez disso, a possibilidade de ter filhos e cuidar da casa for respeitado na sua importância e lamentado como uma perda, o que foi escolhido em sua substituição cresce em valor. Assim, pondera Hellinger, “se uma mulher nota que a realização por meio da maternidade não é possível para ela e sente isso como uma perda e, apesar de tudo, a aceita, então ganha, através dessa tristeza e dessa renúncia, algo da possibilida­de perdida. Isso enriquece as suas outras atividades. Quando exerce uma pro­fissão com a consciência dessa perda, ela se sentirá realizada, mas de maneira diferente do que se dissesse com desprezo: ‘Ah! Que importam as crianças, a igreja e a cozinha’. Ou se considerasse a carreira só como um progresso, quando, na verdade, é também uma perda” (Hellinger, B. Constelações Familiares, p. 151).

Hellinger se mostra consciente das mudanças culturais contemporâneas que reconfiguraram os papéis sociais de homens e mulheres. Enquanto em tempos anteriores o lugar da mulher era interno ao lar e o do homem o trabalho externo, hoje, essas diferenças já não são mais levadas em consideração.

Mesmo reconhecendo isso, Hellinger alerta para a necessidade de reconhecer como perda aquilo do que se abre mão como condição de valorizar o que se decide fazer. De modo correspondente, ao proceder assim se abre espaço para a realização e para o amor, mesmo sem ter filhos.

 


JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.

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