Brasília - Mais uma vez, agora de forma oficial em depoimento na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) negou ter discutido qualquer plano para um golpe de Estado após a vitória de Lula (PT) nas eleições presidenciais de 2022. Segundo Bolsonaro, as conversas mantidas com os chefes das Forças Armadas se restringiram a alternativas “dentro das quatro linhas da Constituição”, sem detalhar, no entanto, quais medidas estavam sendo consideradas.
“Conforme mencionou o general Freire Gomes, talvez naquela reunião, estudamos outras possibilidades dentro da Constituição, ou seja, jamais fora dos limites legais. Como o próprio comandante destacou, era preciso muito cuidado com a questão jurídica, pois não podíamos tomar nenhuma atitude fora disso”, afirmou o ex-presidente, refutando a elaboração de qualquer “minuta do golpe”. O ex-presidente também protagonizou um momento de descontração com o magistrado durante o interrogatório ao convidar Moraes para ser seu vice em 2026.
“Coisa abominável”
Bolsonaro destacou que golpe de Estado “é uma coisa abominável” e reiterou que a possibilidade de ruptura institucional “nem sequer foi cogitada no meu governo”. “Só tenho uma coisa a afirmar a Vossa Excelência. Da minha parte, ou da parte dos comandantes militares, nunca se falou em golpe. Golpe é uma coisa abominável. O golpe até seria fácil de começar, o after day [dia seguinte] é que seria imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia passar por uma experiência dessas”, disse.
O ex-presidente disse ainda que “não persegui ninguém, não aparelhei instituição nenhuma, não botei amigo meu em lugar nenhum. Ou seja, [o governo foi] estritamente voltado para atender aos anseios da nossa população”.
Em declaração direta a Alexandre de Moraes, Bolsonaro fez referência aos efeitos da facada que recebeu durante a campanha eleitoral e pediu um “julgamento isento”. “Estou com 70 anos de idade, se tiver outra cirurgia como a última que passei, segundo o médico, vou estar no bico do urubu. Já vivi bastante e quero continuar colaborando com o meu país. Obviamente, não gostaria de ser condenado. Até porque, eu entendo que nada do que estou sendo acusado procede. Quero ter um julgamento isento e peço a Deus que ilumine a todos aqui”.
“Cara a cara”
Pela primeira vez desde o início das investigações, o ministro Alexandre de Moraes e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estiveram frente a frente em uma audiência formal. Embora já tivesse comparecido ao STF em março para acompanhar o recebimento da denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) pela Primeira Turma, esta foi a primeira ocasião em que Bolsonaro dialogou diretamente com Moraes durante um interrogatório. Antes do início da oitiva, o ministro rejeitou um pedido do ex-presidente para exibir vídeos que, segundo a defesa, sustentariam suas alegações.
O ministro abriu o interrogatório mencionando declarações feitas por Bolsonaro na fatídica reunião ministerial de julho de 2022, apontada ato inicial da suposta articulação golpista. Em resposta, o ex-presidente alegou que os comentários direcionados a ministros do STF e à segurança das urnas eletrônicas foram apenas um “desabafo”, motivado por decisões judiciais que considerava injustas.
“Desculpas”
De forma surpreendente, Bolsonaro pediu desculpas por acusações feitas contra Moraes e o ministro Edson Fachin na citada reunião ministerial, quando o ex-presidente afirmou que os ministros estariam recebendo “milhões” durante o período eleitoral. Fachin comandou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral ), em 2022, antes de Moraes. “Quais eram os indícios que o senhor tinha que nós estaríamos levando U$S 50 milhões, U$S 30 milhões?”, perguntou Moraes.
“Não tem indícios nenhum, senhor ministro. Tanto é que era uma reunião para não ser gravada. Um desabafo, uma retórica que eu usei. Se fosse outros três ocupando teria falado a mesma coisa. Então, me desculpe, não tinha qualquer intenção de acusar de qualquer desvio de conduta os senhores três”, respondeu.
Moraes rebate
Em determinado momento, Alexandre de Moraes destacou que no interrogatório não cabe ao juiz contestar o réu, mas rebateu algumas declarações de Bolsonaro. O ex-presidente reclamou de uma série de decisões do TSE durante a campanha eleitoral de 2022 e disse que “essa disfuncionalidade do TSE prejudicou” sua campanha.
“Acredito, senhor ministro, que foi um pouco disfuncional. Eu não pude, por exemplo, fazer live do Alvorada […] mostrar o outro candidato com boné do CPX. Fui acusado de muita coisa, inclusive de pedófilo durante esse período. O outro lado podia tudo, até me acusar de genocida”, afirmou Bolsonaro.
“Quando o senhor foi acusado de pedofilia, as imagens, os diálogos, o TSE imediatamente proibiu a utilização dessas imagens no debate que seria no domingo à noite. O TSE proibiu isso sendo provocado domingo, às 14h”, respondeu Moraes.
Sem pressão
O ex-presidente Jair Bolsonaro negou ter exercido qualquer tipo de pressão sobre ministros de seu governo ou sobre os comandantes das Forças Armadas. A declaração foi feita em resposta às acusações da PGR (Procuradoria-Geral da República), que apontam suposta tentativa de envolvimento do Exército e da Aeronáutica em um plano para promover um golpe de Estado.
“O meu relacionamento com qualquer ministro nunca foi baseado em pressão ou autoritarismo, especialmente com os chefes militares. Sempre tivemos uma relação fraternal”, afirmou.
Evitar vaia
O ex-presidente relatou a Moraes que decidiu não passar a faixa presidencial para seu sucessor, Lula (PT), para evitar a “maior vaia da história do Brasil”. Bolsonaro não participou da cerimônia de posse do petista no início de 2023. “Eu não ia me submeter à maior vaia da história do Brasil. Não passei porque não ia me submeter a passar a faixa para esse atual mandatário do Brasil”, enfatizou.
“Minuta do golpe”
Bolsonaro também negou ter discutido com Filipe Martins, seu ex-assessor para Assuntos Internacionais, qualquer documento que sugerisse uma ruptura institucional, como uma chamada “minuta do golpe”. Segundo ele, todas as suas ações foram conduzidas dentro dos limites da Constituição.
“Quando se fala em minuta, parece algo mal-intencionado. Sempre estive ao lado da Constituição. Rejeito qualquer possibilidade de discutir uma minuta de golpe ou qualquer proposta que não esteja dentro da legalidade”, declarou, afirmando ainda não leu nem alterou qualquer documento [minuta].
Em sua delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid, disse que Filipe Martins teria retirado algumas medidas do plano original. Bolsonaro, no entanto, fez questão de enfatizar que Martins não teve nenhum envolvimento. “Eu conheço muito bem o Filipe Martins, se ele tivesse participado de qualquer coisa eu saberia precisar aqui qualquer contato com ele… Eu quero isentar aqui, por questão de consciência, o Filipe Martins”.
“Quer ser meu vice?”
Em um momento de descontração, o ex-presidente convidou Moraes para ser seu candidato a vice em 2026. Bolsonaro narrava como ele é tratado nas ruas quando viaja pelo país e perguntou se o ministro gostaria de ver um vídeo que mostra o tratamento que recebe da população. Moraes respondeu: “Declino”.
“Posso fazer uma brincadeira?”, perguntou Bolsonaro que foi alertado Moraes: “O senhor quem sabe. Eu perguntaria aos seus advogados”.
“Eu gostaria de convidá-lo para ser vice em 26”, disse Bolsonaro. “Eu declino novamente”, disse o ministro, arrancando risos dos presentes na sessão.