Esportes

Venezuelanos tentam superar crise econômica para melhorar histórico na Olimpíada

RIO – Ruben Limardo já tem o seu nome inscrito na história da Venezuela: é um dos dois únicos medalhistas de ouro da história do país em Jogos Olímpicos. Ele alcançou o degrau mais alto do pódio em Londres-2012, ao vencer a disputa de esgrima, na categoria de espada individual. Mas seus objetivos para esse ano são maiores: ele quer entrar para a história do esporte. América do Sul – Olimpíada

? Quero ser o primeiro atleta em 100 anos de história da espada masculina a ganhar duas medalhas de ouro na Olimpíada na competição individual ? explica, por e-mail, ao GLOBO. O único esgrimista que conseguiu o feito foi o cubano Ramón Fonst, em 1904.

Limardo é o principal nome de uma delegação que tem um objetivo na Rio-2016 muito maior do que conquistar medalhas: os atletas venezuelanos querem levar alegria a uma população afetada por uma enorme crise política e econômica, enquanto tentam eles mesmos não serem afetados pelas dificuldades financeiras do país.

No total de edições dos Jogos, a Venezuela ocupa o 82º lugar geral, com 12 medalhas: duas de ouro, duas de prata e oito de bronze. Para a Rio-2016, o Instituto Nacional do Esporte (IED) da Venezuela não divulgou uma meta de pódios, mas havia a intenção de ao menos igualar o número de representantes de Londres (69). O objetivo foi cumprido: serão 86 atletas competindo no Brasil.

Além de Limardo, outros candidatos a medalhistas são Yulimar Rojas (salto triplo), Stefanny Hernández (ciclismo BMX), Gabriel Maestre (boxe) e Hersony Canelón (ciclismo de pista).

A principal razão para um país com a economia em ampla deterioração chegar os Jogos com chances de subir ao pódio é o Fundo Nacional do Esporte, criado em 2011, com o objetivo de incentivar a prática esportiva na Venezuela – o que inclui repasses aos atletas de elite.

Todas as empresas com arrecadação superior a 20 mil unidades tributárias – medida utilizada no cálculo de impostos – devem repassar 1% do que ganharem para o fundo. As companhias podem destinar metade desse valor para programas ou iniciativas menores que tenham interesse, e a outra metade fica a cargo do governo.

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ATLETAS RELATAM DIFICULDADES

O fundo não tem conseguido, no entanto, suprir todas as necessidades dos atletas. É o caso, por exemplo, de Elias Malavé, de 26 anos, que irá disputar o tiro com o arco no Rio. Malavé, que esteve em Londres-2012, reclamou do corte nos repasses.

? A respostas é sempre a mesma: ?não há dinheiro?. Pensei que seria diferente depois de me classificar para a Olimpíada, mas nada mudou ? criticou à agência ?Reuters?, em junho.

Outro afetado é o velejador José Vicente Gutiérrez, de 23 anos, que reconhece a ajuda do governo, mas considera ela insuficiente. Gutiérrez teve que organizar uma campanha de financiamento coletivo para participar de eventos preparatórios dos Jogos Olímpicos, onde competirá na classe Laser.

? Antes da classificação, o apoio foi total, não posso me queixar. Depois, não foi o ideal, mas entendo que é pela situação do país ? explica, depois de um treino no Iate Clube, na Urca.

Gutiérrez pediu US$ 50 mil na campanha, para ir a seis competições. Conseguiu um pouco mais de US$ 6 mil, usados em um evento na Espanha e para complementar a estadia no Rio. Ele chegou ao Brasil um mês antes dos Jogos, para se ambientar ao clima e à água.

Outra complicação para o velejador é o desabastecimento que atinge a Venezuela, um empecilho para Gutiérrez seguir sua dieta especial de atleta.

? Um dia você vai, há algumas coisas. No outro, há outras coisas. Não posso ir um dia e comprar tudo ? conta.

Perguntado sobre o que exatamente falta, o velejador é interrompido por seu técnico, Rene Álvarez, que resume:

? É difícil de explicar. A situação é crítica ? avalia.

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ELITE TREINA NO EXTERIOR

Já alguns dos principais atletas do país treinam no exterior: diversos representantes da natação, por exemplo, treinam nos Estados Unidos, enquanto a equipe de basquete jogou amistosos na Europa antes de vir para o Rio.

Limardo, por sua vez, mora na Polônia, e reconhece a ?situação difícil? do país, mas relata não ter do que se queixar em relação ao financiamento.

? Os recursos estão chegando no tempo necessário, até agora recebi tudo sem grandes inconvenientes ? garante, afirmando que torce pela melhora do país.

O atleta, de 30 anos, é um exemplo das não tão simples relações do esporte com a política venezuelana. Em 2012, após ganhar a medalha de ouro em Lonres, foi presenteado pelo então presidente Hugo Chávez com uma espada de Símon Bolívar, herói da independência do país. Na época, rebateu críticas sobre seu suposto vínculo com o governo:

? Não quero me vinculem com a política, sou um atleta, é disso que entendo ? garantiu, ao ?El Impulso?.

Em 2015, no entanto, foi candidato a deputado pela coalizão do governo, e conseguiu uma vaga de suplente. Perguntado sobre uma possível contradição, ele minimiza:

? Tudo o que faço é pelo esporte ? insiste.

Na cerimônia de abertura da Olimpíada, que será realizada nesta sexta-feira no Maracanã, Limardo será o porta-bandeira da delegação da Venezuela. Com ele, a expectativa de todo um país de encontrar nos Jogos um alívio para seus problemas do dia a dia.