
Cascavel e Paraná - O incêndio que chocou a cidade devido a gravidade e o ato da advogada Juliane Vieira, 28 anos, de se apoiar em cima de uma estrutura da máquina do ar condicionado, para retirar do apartamento de chamas a mãe Sueli Vieira, 51 anos e o filho de sua prima, Pietro Dalmagro, de apenas 4 anos, reacendeu a sociedade quanto ao funcionamento da Ala de Queimados de Cascavel. Pronta desde 2019, ela não passou apenas de uma promessa para atendimento aos queimados da Região Oeste.
Juliane com o auxílio da moradora do apartamento debaixo e de um homem que estava no prédio para fazer serviços de manutenção de ar condicionado conseguiu retirar a mãe e o menino, mas quando chegou a sua vez, já não tinha forças para descer ao andar debaixo. Ela ficou em cima do suporte até que foi alcançada pelo Sargento Edemar Migliorini que a retirou por dentro do apartamento em chamas.
Nesta retirada Juliane acabou tendo 67% do corpo queimado e foi transferida imediatamente ao HUOP (Hospital Universitário do Oeste do Paraná), na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). O incêndio ocorreu por volta das 6h40 da quarta-feira, dia 15 de outubro, no décimo terceiro andar do Condomínio Residencial João Batista Cunha, na esquina das Ruas Antonina com a Rua Riachuelo, no Centro da cidade.
No dia seguinte uma equipe especializada do Hospital Universitário de Londrina veio à Cascavel para levar Juliane ao Centro de Tratamento de Queimados do hospital. Ela chegou a ser retirada do leito e levada até o Aeroporto Regional aonde a aeronave a esperava, mas no momento da decolagem um temporal atingiu a cidade e ela teve que retornar ao hospital, conseguindo ser transferida apenas no dia seguinte, na sexta-feira (17), às 12h30 aonde permanece internada em estado grave.
A mãe Sueli Vieira segue internada no Hospital São Lucas de Cascavel, foi extubada e apresentou melhoras, iniciando a alimentação via oral com dieta pastosa. Ela está estável, conversa com os profissionais e visitantes estando fora da ventilação mecânica. O menino Pietro continua internado na UTI do Hospital Mackenzie em Curitiba, aonde apresenta melhora gradual do quadro clínico.
O sargento Migliorini que também sofreu queimaduras teve alta no fim de semana, mas na quarta-feira (22) passou por um procedimento cirúrgico, um desbridamento que é a remoção de tecidos mortos da lesão por queimadura. O outro bombeiro que auxiliou já teve alta no dia seguinte do incêndio.

Luta de anos
Em 2002 foi fundada em Cascavel a Associação Pró-queimados do Oeste do Paraná, que passou a lutar pela a construção de uma Ala de Queimados em anexo ao HUOP. Valmor Lemainski, fundador da associação, conversou com a reportagem do Hoje Express e lembrou que os encontros em prol da construção de uma ala especial no HUOP para atendimento a pacientes queimados começaram ainda em 1997, devido a necessidade existente na região.
Valmor contou que depois de muitos anos de discussões e da elaboração do projeto, em 2014 a obra foi iniciada e levou 5 anos para ser concluída, mas apenas o prédio físico, sem a estruturação necessária de equipamentos. Ele lembrou que as negociações começaram com o reitor Alcibíades Orlando, mas foi na gestão do ex-governador, Beto Richa, que o projeto saiu do papel, com o apoio do Paulo Sérgio Wolff, conhecido como Cascá que criou o movimento.
“O Ministério da Saúde recomenda que o Paraná tenha quatro unidades de atendimento a queimados, distribuídas geograficamente no Estado, para evitar distância, transporte e tudo mais”, descreveu. Segundo Valmor, mesmo assim, o prédio recebeu até geradores novos e a partir de então, eles passaram a buscar os equipamentos e ainda a regularização do serviço junto ao Ministério da Saúde, para que ele operasse com alta complexidade no tratamento de queimados e a contratação de funcionários.
Em 2020, no ano seguinte, com a chegada da pandemia, o espaço que estava até então ocioso acabou se tornando a ala do Covid-19, em atendimento aos pacientes em estado grave da doença que mudou a história da saúde do planeta. Quando a pandemia acabou a estrutura foi desmobilizada e o prédio voltou a ficar desocupada, mas nem assim, o sonho da Ala de Queimados voltou a ser realidade.

Cirurgias eletivas
Com uma demanda cada vez maior de cirurgias eletivas, em setembro do ano passado a estrutura da Ala de Queimados passou a abrigar o Centro de Cirurgias Programadas do HUOP, que em um ano realizou cerca de 4 mil procedimentos. Sem contrato, o serviço deixou de funcionar em 31 de agosto e está em processo de uma nova licitação. Quem vencer vai assumir o prédio por pelo menos mais dois anos.
De acordo com a direção geral do HUOP, a licitação segue em andamento e o processo licitatório é conduzido por uma comissão interna do HUOP, que avalia de forma criteriosa todos os documentos e requisitos técnicos, garantindo a segurança jurídica e a exequibilidade financeira para a continuidade dos serviços contratados.
Por meio de nota, disseram que só será realizada a divulgação oficial, após a confirmação de que a empresa vencedora realmente cumpra com o que é necessário para atender a demanda regional. Sobre a Ala de Queimados, disseram que a decisão foi tomada em comum acordo com o Governo do Estado do Paraná, foi realizada uma análise sobre a viabilidade da criação da ala de queimados e a média anual é de dois pacientes com queimaduras graves na macrorregião Oeste.
Em contato com a Sesa (Secretaria de Estado da Saúde), após a pandemia, a Comissão Intergestores Regional deliberou que o espaço originalmente previsto para atendimento a queimados no HUOP fosse destinado à realização de cirurgias eletivas e que, a decisão levou em conta a necessidade de reduzir a fila de procedimentos cirúrgicos na região, garantindo assistência ágil à população.
Para a Sesa, essa medida também levou em consideração que os atuais leitos de UTI do SUS (Sistema Único de Saúde) têm suprimido a demanda de queimados no Paraná, sem prejuízo à assistência. Em casos de necessidade de transferência, os pacientes continuam recebendo atendimento especializado, assegurando que nenhum cidadão fique desassistido.
Ainda reforçaram que o Estado mantém uma rede estruturada de saúde com profissionais e equipamentos adequados para atender a diversas patologias, incluindo o tratamento de pacientes queimados, garantindo assistência de qualidade em todas as regiões do Paraná.
A luta continua!
Mesmo com a ocupação do prédio Valmor disse que o objetivo principal da situação era justamente a construção da ala, mas que existe ainda uma esperança que a ala saia do papel e que, a partir de agora é importante que as autoridades tomem frente à luta, já que não podem abrir mão de uma estrutura tão importante dessa, que muitas cidades do Brasil gostariam de ter.
“A população, de um modo geral, o brasileiro tem o costume de só tomar providência quando algo que o comove, acontece. E isso é um sentimento maldoso, um sentimento ruim, não faz bem. E para as nossas autoridades, eu gostaria de dizer o seguinte, as pessoas quando querem fazer as coisas, acham um jeito. Quando não querem, acham uma desculpa. E essa que é a realidade, se tem pacientes acomodados nos corredores, alguma coisa aqui assim, toma-se uma providência, constrói-se mais hospital, mas não vamos abrir mão disso que nós temos, que é um diamante para a nossa região”, concluiu.