
Cascavel - Se alguém ainda tinha dúvida sobre o apelido da cidade, os últimos dias colocaram uma pulga — ou melhor, uma onça — atrás da orelha de muita gente. A terra das cobras (que acabava gerando piadas sobre a ‘sogra’) agora virou também a “Cidade das Onças” – e as mesmas piadas continuam, afinal… Sete anos depois do episódio da onça que foi dar uma voltinha no Lago Municipal (deixando o parque interditado por dias) e conhecer a Rua do Rosário, um(a) novo(a) visitante de quatro patas resolveu passear tranquilamente pela cidade, desta vez aproveitando a madrugada para conhece as instalações (vazias) da Apae.
O novo capítulo começou logo cedo, na segunda-feira (18). Depois de um fim de semana inteiro de buscas na mata, o bicho resolveu escolher, com muito bom gosto, um ponto de descanso: a sede da Apae de Cascavel. Câmeras de segurança registraram a onça-parda chegando às 4h da manhã, como se estivesse procurando o café mais cedo.
Como faz todos os dias, o caseiro da Apae de Cascavel por mais de 20 anos, Miguel Cardoso Piana, acordou cedo, pegou o molho de chaves para abrir as portas da instituição para receber os alunos. Por volta da 6h30, ele abriu o refeitório e se dirigiu para outra porta, que dá acesso ao setor administrativo. Distraído com as chaves, Miguel não percebeu a presença da onça-parda que descansava a meio metro dele.
Ao fazer barulho para abrir a porta, a onça e o caseiro se assustaram e o felino correu em direção à parte detrás da Apae, onde ficam o ginásio de esportes, o setor de Equoterapia e a sala de atividades voltadas às mães dos alunos. Por sorte, ninguém estava na escola, nem mesmo os alunos que costumam chegar a partir das 7h da manhã. “O susto foi grande. Ainda bem que ela estava mais apavorada do que eu”, disse Miguel ao Hoje Express, dois dias depois do acontecido.
A gerente da Apae, Ellen Aquino, acionou rapidamente o Corpo de Bombeiros e o IAT (Instituto Água e Terra). As equipes vasculharam o espaço, mas a hóspede selvagem já havia partido.
Rastros felinos por toda parte
Antes mesmo do flagrante na Apae, moradores já tinham avistado o bicho. No Loteamento Tropical 2, às 2h30 da madrugada, um trabalhador a caminho do serviço filmou a onça como quem registra uma cena rara para mostrar depois: “Olha aí, Cascavel, não é só cobra, não!”.
Pouco depois, câmeras na Rua São José captaram o felino desfilando pela calçada, como quem sabe que está sendo filmada. Relatos surgiram de todos os lados: gente jurando que já viu a onça na região da FAG meses atrás; moradores do Barro Preto dizendo que animais foram atacados; um caseiro afirmando que perdeu cinco porcos em 30 dias e encontrou pegadas suspeitas no quintal.
A tensão e a cobrança, principalmente dos moradores da região do Bairro Tropical, as equipes do IAT e do Zoológico Municipal de Cascavel entraram em ação. Equipes foram a campo com dardos tranquilizantes prontos para uso, enquanto o helicóptero Falcão da PM sobrevoava a área com câmera infravermelho. O saldo? Capivaras, quatis e gambás apareceram no radar — mas a estrela da semana não. Uma imagem aérea até mostrou um bicho correndo na mata, mas era só uma capivara apressada fugindo da confusão.
Para reforçar o monitoramento, instalaram armadilhas fotográficas e distribuíram cartilhas explicando como agir se a onça aparecer de novo: nada de correr atrás para selfie, nada de jogar pedras ou tentar virar “domador”.
De acordo com o médico-veterinário do IAT de Cascavel, Vinicius Goes, não há tendência de onças atacarem animais domésticos, mas, como na região de Cascavel há criações de ovelhas e porcos, isso pode atrair o felino em busca de comida. E o bicho não fica parado: pode percorrer até 60 quilômetros em um único dia.
Quando o medo é real
O pavor dos moradores não é só folclore. Em abril, no Mato Grosso do Sul, um caso trágico chocou o país: Jorge Ávalo, caseiro de um pesqueiro em Touro Morto, próximo aos rios Miranda e Aquidauana, foi morto por uma onça-pintada. O felino ainda ameaçou a equipe de resgate.
Jorginho, como era conhecido, trabalhava no local há mais de 20 anos e foi atacado quando saiu para coletar mel em um deck próximo à mata. Ele havia comentado em casa que registrara a presença de onças no local uma semana antes do ataque e tinha medo dos animais. A Polícia Militar Ambiental disse que a escassez de presas naturais, como capivaras e catetos, levou a onça a se aproximar de áreas habitadas.
O corredor que as onças conhecem bem
A aparição em Cascavel trouxe à tona o “Corredor das Onças”, no PNI (Parque Nacional do Iguaçu), uma faixa de mata que liga o parque a outras áreas florestais e chega até a Argentina. O corredor garante que onças e outros bichos circulem sem precisar passar pelas rodovias e áreas urbanas.
Segundo o Projeto Onças do Iguaçu, cerca de 25 onças-pintadas vivem no lado brasileiro do parque. Já as onças-pardas, como a visitante de Cascavel, são mais discretas e difíceis de contar, porque não têm pintas individuais para identificar “quem é quem”.
Yara Barros, coordenadora do projeto, explica que quando uma onça aparece na cidade, normalmente é jovem e está só procurando território.
“O animal não vai para a cidade para ameaçar pessoas, ele deve estar buscando uma forma de voltar para a mata, mas precisa ficar livre e ter uma rota de fuga para voltar à mata, e é isso que ele vai fazer”, disse.
E deixa um recado direto: “Precisamos lembrar que é uma espécie ameaçada, um animal que apenas quer ter a sua rotina, se alimentar e cuidar dos seus filhotes. Por isso, alertamos: caso encontre uma onça, avise o Corpo de Bombeiros ou a Polícia Ambiental. Não maltrate, não jogue nada, porque ela só quer voltar para a mata”.