O Brasil não seria o que é sem o Plano Real. O controle da hiperinflação direta e indiretamente, a estabilidade econômica e os elementos atinentes à reforma do Estado e à Lei de Responsabilidade Fiscal são frutos do plano econômico que teve na figura de FHC (Fernando Henrique Cardoso) e outros aquilatados economistas seus principais atores.
FHC foi ministro de Itamar Franco: primeiro, das Relações Exteriores; e, depois, da Fazenda.
O cenário econômico era horrível e ser nomeado ministro da Fazenda, cujo objetivo seria o controle da inflação, foi, por muitos, considerado o início do fim da carreira política de FHC. Mas, ao contrário, o ministro tucano vislumbrou, conscientemente, a oportunidade de conjugar sua virtù à fortuna.
Não foram poucos os que tinham falhado na árdua, hercúlea, tarefa de controlar a hiperinflação que assolava, há tempos, o Brasil. FHC não é economista de formação e sim cientista social e isso, no meu entender, fez toda a diferença. Ao ser guindado à condição de ministro da Fazenda, já era político experimentado e, ainda, já havia angariado a fama de um “intelectual que liderava intelectuais”. Sua trajetória acadêmica, sua dimensão na vida pública e na carreira política são assaz conhecidas, há dezenas de obras, livros, artigos científicos, documentários e filmes sobre os atores e os fatos que desencadearam na criação do Plano Real e na eleição e reeleição de FHC como presidente do País.
O plano, em si, é considerado uma das obras-primas da engenharia econômica contemporânea, pois não significou, apenas, o controle inflacionário, mas, também, a estabilidade da economia e o enfrentamento das finanças públicas caóticas e do Estado patrimonialista tão arraigado em nossa sociedade. Não foi, todavia, plano perfeito. Erros estiveram presentes em sua formulação e implantação, mas, no limite, no balanço geral, o saldo foi francamente positivo. Em muitas situações, a equipe econômica esmoreceu e titubeou e de forma realista, pois a situação e a classe política poderiam colocar tudo a perder em poucas ações. Dentro do grupo, assumindo sua liderança, FHC insistiu na tese de uma “pedagogia democrática”, em tornar públicas todas as ideias e as fases do plano econômico. Assim, com paciência e o didatismo peculiar ao professor de Sociologia, FHC foi, cotidianamente, explicando aos atores políticos, aos formadores de opinião e à sociedade brasileira que o processo então em voga não levaria a nenhum choque, congelamento e, mais difícil ainda, explicar a existência da URV. E, como não poderia deixar de ser, contra as vozes oposicionistas – O PT à frente – o plano foi colocado em prática e não apenas uma moeda foi trocada, mas mudanças nas formas de pensar e agir em relação à economia e ao Estado.
O pessimismo, muitas vezes bem fundamentado, era, por FHC, substituído por um termo de sua predileção: uma “utopia possível”. Em seu livro “A arte da política: a história que vivi”, FHC afirma que: “O ‘pragmatismo responsável’, no entanto, não explica a mudança. Sem uma liderança capaz de apresentar um caminho aceito como válido pela maioria não acontecem transformações significativas numa sociedade democrática. E essa aceitação não se dá às cegas. Sem uma pedagogia democrática, sem que haja o convencimento, quer dizer, o esforço para ‘vencer juntos’, a ordem tradicional prevalece sobre os ímpetos modernizadores e mudancistas”.
A capacidade intelectual e de liderança de FHC somada às ideias de um grupo de brilhantes economistas foi fundamental para o sucesso do Plano Real. Foi um sociólogo-político que, democraticamente, fez o meio de campo entre as teses áridas da economia e as expectativas dos políticos e da sociedade. O controle da inflação e a estabilidade da economia são marcas de FHC e seu governo, inegavelmente. Em tempos que pululam fake news e desprezo à política, é bom rememorar essa história.
Rodrigo Augusto Prando é cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie