Muda em agosto próximo o comando da FAO, que é a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, com a recente eleição de seu novo diretor-geral, o chinês Qu Dongyu. Biólogo e Vice-Ministro da Agricultura da China, foi eleito com o apoio de 108 países (60% dos votos válidos) e ficou 20 pontos porcentuais à frente da francesa Catherine Geslain-Lancelle, que recebeu apoio da Comunidade Econômica Europeia e EUA.
Aparentemente, continuará sendo forte o olhar dos países em desenvolvimento na FAO, que vem de um longo período de gestão brasileira. Bom para o Brasil, que apoiou a eleição do chinês. Não só porque a China é nosso grande parceiro comercial no agro, mas em particular pela tendência de um alinhamento mais próximo da entidade com a agenda alimentar do bloco de nações que buscam um lugar ao sol.
O chinês Qu Dongyu tem pela frente o desafio de reduzir a fome no mundo, que atinge mais de 820 milhões de pessoas, embora o alimento produzido no planeta seja suficiente para alimentá-las. A produção agrícola, claro, é sempre condição primordial para combater a fome; mas atualmente a equação da fome inclui outras variáveis como guerras, mudanças climáticas, geopolítica e desigualdade socioeconômica.
De outro lado, e quase como ironia, a educação alimentar parece estar entre as boas brigas que esperam Dongyu, pois 1,9 bilhão de pessoas no planeta apresentam excesso de peso ou obesidade. Completando o quadro, além da fome e dos obesos, ainda há dois bilhões de seres humanos manifestando níveis expressivos de carência de nutrientes. Sem comida, alimentando-se mal ou comendo muito.
Mundo estranho. A conta talvez não seja uma simples adição; mas, se for, indica 4,7 bilhões de pessoas (62% da população mundial) associadas a alguma falta de conformidade com padrões alimentares ou nutricionais considerados ideais. Mostra que encarar as questões da fome e da nutrição adequada, resvalando indiretamente na da saúde, requer esforços mais complexos do que olhares isolados para cada problema podem sugerir.
A plataforma de Dongyu também traz bem-vindos ares de século 21. Fala de inovação nos modelos de produção cooperativa e enfatiza bem a inclusão digital do campo para promover a digitalização das cadeias produtivas e o impacto da inteligência artificial em seus processos de produção. Tudo com o objetivo de acelerar o desenvolvimento sustentável do agronegócio, em agenda que vai até 2030.
Uma revolução tecnológica assim pode inclusive gerar novos ordenamentos de cooperação global. Mas em um aspecto ela já é quase unanimidade: o seu poder indutor de eficiência e crescimento. E tomando como espelho as nações com maior avanço econômico na última década, observa-se que crescimentos anuais ao redor de 5% no PIB estiveram associados a países com maior assimilação das tecnologias digitais.
À primeira vista, parece haver convergências entre linhas estratégicas do agro brasileiro e a plataforma do novo gestor da FAO. Hora de o Brasil agir, aproximar-se, identificar sinergias e identidade de escopos. Lucidez geopolítica, sabedoria diplomática e empreendedorismo. Como parece que a Ministra Teresa Cristina e quadros do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento já começaram a fazer. Que os setores produtivos também entrem em cena.
Coriolano Xavier, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e Professor da ESPM