Cotidiano

Frances Henry, antropóloga: 'Onde há opressão, há pequenos Holocaustos'

201605061827445125.jpg“Nasci na Alemanha, cresci em Nova York e depois cheguei ao Canadá, onde vivo há muitos anos. Realizei uma pesquisa sobre a falta de mulheres nas chamadas ciências duras, como Física, Química e Astronomia. Nosso trabalho é fazer com que mais garotas e mulheres jovens escolham a ciência como carreira.”

Conte algo que não sei.

Quando as mulheres perseguem uma carreira nas ciências, elas vão para as biológicas, ou as relacionadas à saúde. E uma das razões para isso é que as mulheres têm uma formação deficiente em matemática, que é no que se baseiam todas essas ditas ciências duras, como Física, Química e Astronomia.

De onde vem essa noção de que mulheres e matemática não combinam?

Ainda existem teorias de que os cérebros das mulheres têm uma composição diferente da dos cérebros dos homens, e que a elas falta a habilidade de ver as dimensões espaciais. Se isso é verdade ou não, tanto faz. Com a educação correta, elas podem chegar ao mesmo nível de visão espacial.

Havia uma motivação pessoal para iniciar esse estudo?

Não. A academia que represento no Canadá e as outras da rede organizaram um comitê especial sobre mulheres, porque havia muitas com inteligência e habilidade que não podiam escolher as suas carreiras. De certa forma, isso é parte do feminismo, do esforço para conseguir igualdade entre mulheres e homens em tudo.

O feminismo, hoje, é muito diferente do dos anos 60?

O feminismo era muito duro. Agora, ele está, de forma discreta, tentando criar igualdade de oportunidades, em oposição à necessidade de marchar nas ruas, gritar e protestar. Estamos rumo a uma nova fase.

Como está a presença feminina nas academias de ciências na América Latina?

De forma, geral, os grandes países ? Brasil, México, Argentina, Chile e Cuba ? conseguiram fazer grandes avanços na ciência. O problema é que a proporção entre homens e mulheres ainda está muito distante de ser igual. O percentual de mulheres nas academias de ciências no Brasil é de 12%. Há que se pressionar o governo para melhorar as estruturas educacionais.

Certa vez, a senhora passou três semanas em Salvador, estudando religiões africanas. Viu casos de racismo por lá?

Não cheguei a ver, mas ouvi falar que havia. Nós, de fora, costumamos entender o Brasil como uma sociedade multirracial, mas as pesquisas mais recentes mostram que isso não é verdade. A estrutura de autoridades ainda está nas mãos dos descendentes dos brancos, e os negros continuam nas margens da sociedade de classes.

E o Canadá, é racista?

O país é visto pelo mundo como um lugar livre de racismo, mas não é. O que sofrem os indígenas é horrendo, ainda hoje.

Seus netos vivem num mundo melhor que o seu?

Não, o mundo é muito pior hoje. A insegurança de se viver em diferentes lugares torna a vida muito difícil ? a menos que você seja um bilionário. E o pior perigo é o terrorismo, porque ele é difícil de se encontrar e mais difícil ainda de se prever onde vai acontecer.

Triste ouvir isso de uma judia que viveu o Holocausto…

Hoje, onde há opressão, há pequenos Holocaustos. Veja todos os estados falidos na África, onde as pessoas comuns não têm nada, passam fome, e os militares estupram mulheres e queimam vilarejos…

O que mantém a sua fé na Humanidade?

A criatividade científica e cultural, tudo aquilo que se é capaz de expressar. É uma espécie de milagre as inovações que as pessoas conseguem conceber.