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Fraudador de Cingapura: ' 7 a 1 custaria cerca de US$ 15 milhões para acontecer'

Hipoteticamente, custaria cerca de US$ 15 milhões para se armar o resultado de uma semifinal de Copa do Mundo em que o país anfitrião — não um país qualquer, mas uma potência no futebol — perderia o jogo de 7 a 1. O dinheiro seria usado para pagar jogadores, talvez o árbitro, certamente a comissão técnica. O lucro, contudo, compensaria o investimento e a trabalheira de convencer toda essa gente a participar do esquema.

— Numa situação como a daquele jogo entre Brasil e Alemanha, se alguém tivesse armado o resultado e pudesse colocar US$ 50 milhões para fazer apostas, ganharia facilmente US$ 200 milhões. São pouquíssimas pessoas no mundo que fariam uma aposta desse tamanho, mas elas existem — afirma Wilson Raj Perumal, um cingapuriano que se tornou notável mundo afora por sua habilidade de manipular resultados de jogos de futebol, em entrevista ao GLOBO. — Pode ser feito, sempre há uma possibilidade.

Para Perumal, as possibilidades foram de amistosos desimportantes em Cingapura a jogos nas Olimpíadas de Atlanta (1996) e Pequim (2008). Por seu relato no livro “O submundo do futebol” (lançado agora no Brasil pela editora Astral Cultural), Perumal foi responsável pela classificação de Nigéria e Honduras para a Copa do Mundo da África do Sul (2010), comprando times adversários ou juízes. Ele teria feito, ainda, a Tanzânia perder por cinco gols para o Brasil num amistoso em 2010. E teria participado da armação de um jogo entre Argentina e Bolívia num campeonato sub-20, decidido apenas aos 56 minutos do segundo tempo com um pênalti duvidoso a favor dos argentinos.

Tudo isso, explica Perumal, pelo desejo de lucrar o máximo possível com apostas em partidas de futebol. Sua carreira manipulando jogos começou nos anos 1990 na Ásia, passou por África e Américas e seguiu até 2011, quando foi preso na Finlândia tentando expandir o business até a Europa. O livro, escrito em parceria com os jornalistas italianos Emanuele Piano e Alessandro Righi, existe porque ele aceitou colaborar com as autoridades para identificar outros fraudadores.

—Enquanto houver sites de aposta, haverá gente tentando manipular os resultados. Não apenas no futebol, mas em qualquer esporte. Acontece no tênis, no vôlei, no vôlei de quadra. Acontece nas Olimpíadas, pode acontecer no Rio de Janeiro. Não é fácil, porque as pessoas têm medo de se envolver nisso num evento tão grande, mas acontece — diz.

O esquema de Perumal consistia em oferecer dinheiro para jogadores, técnicos, juízes ou dirigentes para garantir o resultado de uma partida, mas com um detalhamento extremamente profissional. Não bastava dizer quem venceria e quem perderia um jogo. As apostas passavam pelo número de gols feitos, pelo tempo de jogo em que o gol seria feito e até por quem daria o pontapé inicial da partida. Se houvesse alguém disposto a apostar, haveria outro tentando manipular.

Trata-se de um negócio ilegal de cifras altíssimas. Perumal conta que só o grupo criminoso para o qual trabalhava levou US$ 1 milhão aos EUA em 1996, para comprar resultados de times africanos na Olimpíada de Atlanta. Na ocasião, eles teriam pago US$ 100 mil a funcionários da delegação da Nigéria, por exemplo, a fim de que o país perdesse por dois gols de diferença para o Brasil na primeira fase — o jogo, porém, acabou 1 a 0, com gol de Ronaldo, e, mais à frente, os nigerianos eliminaram o Brasil nas semifinais e acabaram campeões diante da Argentina.

— O futebol é muito vulnerável, é fácil você abordar clubes que não têm muito dinheiro. Se você olhar nos sites de apostas, há ofertas de jogos até para a quinta divisão do futebol brasileiro. Um jogador de um time desses fica cinco meses sem receber salário. Aí é só chegar perto e oferecer um dinheiro — explica o fraudador.

A sofisticação dos negócios de manipulação era tão grande, que Perumal já subornou o responsável pela iluminação do campo: se o resultado desejado não acontecesse, ele mandaria apagar as luzes do estádio para interromper o jogo. Ainda na Olimpíada de 1996, ele lembra ter abordado Jorge Campos, famoso goleiro do México, oferecendo uma quantia em dinheiro para entregar uma partida. Mas foi rechaçado. Já nos Jogos de Pequim, os times femininos foram seus principais alvos.

— Eu sempre gostei de apostar, faço até hoje. Não tenho uma renda fixa mais, mas trabalho dando sugestões para apostadores. Uso minha experiência para analisar os jogos e sugiro resultados. Se eles ganharem, recebo 20% de comissão — afirma Perumal, que, depois de passar quatro períodos preso, mora hoje na Hungria e garante agir completamente dentro da legalidade. — Ainda é legal ajudar os outros a apostar, talvez deixe de ser algum dia. Mas a vida seria muito chata se eu não pudesse colocar algum dinheiro pelo resultado de algum esporte.

Perumal diz não ter conhecimento de como os esquemas de manipulação de jogos de futebol funcionam no Brasil hoje, mas não se surpreende com a notícia de que suspeitos por fraudar jogos tenham sido presos em São Paulo, na semana passada. Segundo informações da polícia, a ação criminosa envolveria apostadores de países como Malásia, China e Indonésia.

— Se você quer fazer muito dinheiro com apostas, então é preciso um contato na Ásia, porque lá não há regulação. Você aposta o quanto quiser, quantas vezes quiser por jogo. Na Europa há limitações e você precisa fornecer muitos detalhes. Na Ásia, não. É assim que se consegue maximizar o lucro — diz.

Para identificar se um jogo foi ou não manipulado, Perumal explica que se deve observar com a atenção a movimentação nas casas de apostas online. Um volume de apostas muito grande feitas no meio de uma partida pode significar alguma manipulação. Outro fator de suspeita são os comportamentos incomuns de jogadores e juízes.

Ele cita como exemplo a final da Copa da França, em 1998, em que o Brasil saiu derrotado pelos franceses por 3 a 0. Foi o tão falado jogo em que Ronaldo teve uma convulsão na véspera e quase ficou de fora.

— Olha, eu não tenho evidências, então vou dar minha opinião baseada na minha experiência profissional: o que aconteceu naquela ocasião foi muitíssimo estranho. Acho que havia dirigentes da CBF que poderiam influenciar o resultado daquele jogo junto aos jogadores. Para mim não faz sentido a história do ataque do Ronaldo. Alguma coisa aconteceu ali — afirma Perumal.