Cotidiano

Aron Simis, matemático: 'O que vai ajeitar o mundo é a democracia'

“Nasci no Recife, tenho 74 anos. Meus pais vieram da Romênia e são de origem judaica. Nunca tive pendor especial para a Matemática. Comecei a gostar no que seria o segundo grau, depois que um colega trouxe um livro. Achei muito interessante, porque o que a gente aprendia da matéria na escola era uma porção de bobagens.”

Conte algo que não sei.

O problema da Matemática na sociedade é que ela é uma área sem visibilidade. A mídia trata o (Arthur) Ávila, que ganhou a medalha Fields, como algo isolado. Não existem gênios do nada. Existem garotos e garotas com talento especial para a Matemática. Eles surgem de uma estrutura com massa crítica já funcionando.

Você fez graduação aqui e mestrado e doutorado no Canadá. Qual a diferença entre o ensino de lá e o daqui?

Naquela época, era incomparável. Aqui, melhoramos muito, mas a grande diferença não é a qualidade, mas a estabilidade, essencial para a ciência.

É preciso uma renovação dos currículos?

Sem dúvida. Essa estrutura é muito antiga. Do tempo dos gregos. Tem que modernizar, mas de maneira inteligente. Vejo muito o pessoal de Educação preocupado com os problemas sociais. Na Matemática, tem que se pensar na estrutura que vai se ensinar, para isso entrar na cabeça do aluno. Porque não há gênios ali. Gênio, apenas um ou dois.

O que deveria ser ensinado?

Computação gráfica, por exemplo, é belíssimo e é Matemática.

Isso deixaria a Matemática mais próxima dos alunos?

Certamente. É algo que os alunos estão vivendo, e não o que Euclides e os gregos viveram há milhares de anos.

Qual a preocupação de um matemático, hoje?

Matemáticos são capazes de pensar sobre estruturas abstratas sem um pé imediato na realidade, mesmo que elas, ao serem desenvolvidas, tenham aplicações práticas. Mas não é a preocupação imediata de um teórico típico. Ele está sempre trabalhando com estruturas abstratas. Você constrói uma a partir de uma situação, tenta entender a estrutura interna dentro das limitações que você criou e depois verifica se ela pode ser aplicada de maneira interessante àquela situação concreta.

É uma ciência exata, por que a resolução não é óbvia?

A Matemática sofisticou-se muito. Um lado que o público não conhece é o da aplicação nas ciências naturais. Mas os governos não querem financiar, porque o resultado demora muito.

Coisas como projeções climáticas?

A previsão do tempo é puramente probabilidade, sistemas dinâmicos e previsão a longo prazo. E até hoje você não consegue prever mais de três dias com exatidão. E aqui fazemos pior do que na Europa. Mas não é porque somos piores, é que o fato em si, a natureza, é extremamente complexo para a Matemática resolver de maneira direta.

Vê algum risco nas novas tecnologias, na inteligência artificial?

Não sou pessimista. Não acredito na IA nos substituindo. A tecnologia é uma coisa maravilhosa. O problema é como se usa e o tipo de governo. É por isso que as ideologias têm que morrer. O que vai ajeitar o mundo é a democracia. Um mínimo de democracia e de bom senso.

O que faz no seu lazer?

Eu gostava muito de pintar. Cheguei a vender quadros. Sempre pensei que quando me aposentasse voltaria a pintar. Conversa fiada. É difícil sair da Matemática. Você termina de fazer um trabalho e já surge uma pergunta sobre outra coisa. É um pouco de vício fazer Matemática, mais do que em outras ciências, tenho a impressão.