Cotidiano

Facebook retira foto histórica do ar e gera debate sobre limites na seleção de conteúdos

Napalm_Girl-912.jpgRIO- Quem tem uma conta no Facebook provavelmente já se deparou em sua timeline com reclamações sobre os padrões de uso da comunidade, seja em protesto contra a remoção de determinada imagem ou, ao contrário, revolta por algum conteúdo considerado ofensivo continuar na rede. Ontem, uma nova polêmica a respeito do crivo da rede social sobre os conteúdos veiculados na plataforma se alastrou pela internet. O site retirou uma foto histórica da guerra do Vietnã, feita por Nick Ut, na qual a menina Kim Phuc corre nua para fugir de um ataque com o agente inflamável napalm. O caso suscitou discussões a respeito do poder do Facebook de selecionar as informações que chegam aos usuários. Após críticas, o site voltou atrás e republicou a foto. LINKS ROBOS

Especialistas da área apontam para a dificuldade de administrar uma quantidade tão grande de dados, mas afirmam que o algoritmo que segue as regras da comunidade virtual pode acabar restringindo a liberdade de expressão. Nesse caso, o algoritmo ?entendeu? que se tratava da foto de uma criança nua e a removeu, sem ?perceber? o caráter histórico do documento.

Há algumas semanas, o escritor norueguês Tom Egeland postou no Facebook o artigo ?O terror da guerra?, que foi publicado na página do diário ?Aftenposten?, maior jornal da Noruega, junto com sete imagens que mudaram a história das guerras, incluindo a premiada fotografia tirada por Nick Ut no Vietnã. Após a postagem, o periódico recebeu um e-mail do Facebook alertando sobre a foto e, antes mesmo da resposta do veículo, removeu a publicação. Egeland reagiu escrevendo um artigo criticando a remoção da fotografia publicando-a novamente, e foi suspenso da rede, ficando proibido de colocar qualquer coisa no Facebook por um período.

‘ABUSO DE PODER’

Diante da censura, o editor do Aftenposten, Espen Egil Hansen, publicou uma carta aberta ao diretor-executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, criticando a decisão da rede social. Na carta, Hansen acusa Zuckerberg de ?abuso de poder? e classifica o empresário como ?o mais poderoso editor do mundo?, por ter domínio sobre o conteúdo do Facebook.

?Eu estou preocupado que o mais importante meio do mundo está limitando a liberdade, em vez de tentar estendê-la, e que isso ocasionalmente acontece de forma autoritária?, escreveu o jornalista.

Os protestos surtiram efeito e a foto voltou ao ar. Em resposta à polêmica, o Facebook afirmou que ?por conta de seu status icônico de importância histórica decidiu reinstaurar a imagem.? A rede social diz ainda que vai ajustar ?mecanismos de revisão para permitir compartilhamento.? E que sempre procura melhorar políticas ?para assegurar que elas promovam a liberdade de expressão e mantenham nossa comunidade segura.?

Mas essa não foi a primeira vez que fotos foram banidas da plataforma. Em um dos casos, o fotógrafo Wyatt Neumann teve as fotos de sua filha censuradas. Nas imagens, a criança aparece nua ou com pouca roupa, o que colocou a foto no rol de ?proibidas? pelo Facebook. Em outra situação, um estúdio de tatuagem teve a foto do colo de uma mulher retirada da rede por ser ofensiva. A foto mostrava uma cliente que tinha se submetido a uma dupla mastectomia (retirada dos seios) e feito uma tatuagem sobre as cicatrizes.

? Partimos do princípio que o Facebook é uma plataforma privada que tem direito de criar regras sobre as publicações que vão ser feitas ali. O problema é que, dada a proporção que o Facebook tomou, algumas decisões podem acarretar problemas para liberdade de expressão. O principal ponto é que os termos de uso influenciam o que vamos ler, e isso acaba formando nossa opinião ? analisa Laura Tresca, Oficial de Direitos Digitais da organização Artigo 19.

Professora do Programa de Pós-graduação em Tecnologias e Linguagens da Comunicação da ECO- UFRJ, Cristina Rego Monteiro da Luz considera que a questão é de difícil resolução, uma vez que ainda estamos engatinhando na era digital:

? O algoritmo é burro? De certa forma é. Ele pede uma padronização, não entra nos conceitos culturais. Nesse caso, tudo depende da cabeça de quem o programa. Temos quatro séculos de modelo analógico, e quanto tempo de modelo digital? Ainda estamos em busca de soluções.

O desafio se torna maior quando observada a capilaridade do Facebook, que está inserido em contextos culturais totalmente distintos.

? Vejo o caso até de maneira positiva, indica que o filtro funciona para todos, o que também não pode ser um cheque em branco para barrar o que quiser. O desafio não é modesto: operar uma rede global que comunique diferentes culturas e legislações e sujeitá-las a revisões ? afirma Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.