JULGAMENTO DO GOLPE

Defesa volta afirmar que “não há uma única prova” contra o ex-presidente

Foto: STF
Foto: STF

Brasília - No segundo dia do julgamento dos acusados de integrar o “núcleo duro” do governo Bolsonaro perante a Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, liderada pelos advogados Celso Vilardi e Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno, concentrou-se em refutar as acusações de tentativa de golpe de Estado, alegando que não há “uma única prova” da participação dele na trama golpista.

Celso Vilardi argumentou que o ex-presidente foi “dragado” para os fatos investigados pela Polícia Federal e que a acusação se baseia em uma minuta encontrada no celular de um colaborador – Mauro Cid – e em sua delação premiada, que seria o “epicentro” do processo.

“Não é confiável”

Segundo Vilardi, não há qualquer prova concreta que vincule Bolsonaro ao documento chamado de “Punhal Verde e Amarelo”, à “Operação Luneta” ou aos eventos de 8 de janeiro. Ele destacou que nem mesmo o delator teria imputado diretamente ao ex-presidente participação nos supostos planos.

A defesa atacou veementemente a colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, apontado como peça-chave da acusação. Vilardi afirmou que Cid prestou “16 depoimentos”, alterando suas versões em várias ocasiões, fato reconhecido pela própria Polícia Federal. Mencionou ainda a existência de um perfil falso de Instagram, vinculado a Cid, onde ele teria comentado sobre a delação e questionado sua voluntariedade, o que, para a defesa, demonstra que Cid “não é confiável” e é motivo para anulação da colaboração premiada, e não para seu aproveitamento parcial.

Outro ponto crucial levantado pela defesa foi o cerceamento de defesa. Vilardi alegou que o grande volume de documentos apreendidos (70 terabytes) não foi disponibilizado em tempo suficiente para análise, com parte do material entregue apenas durante a fase de instrução, em prazos curtos. O advogado afirmou que, em 34 anos de atuação, é a primeira vez que não conhece a íntegra de um processo. A impossibilidade de formular perguntas a outros réus durante os interrogatórios também foi criticada como uma violação do contraditório e da paridade de armas.

PGR Contraditória

Quanto ao mérito, Vilardi argumentou a inocência de Bolsonaro, salientando que o ex-presidente não apenas autorizou a transição de governo, mas também interveio para que o ministro da Defesa nomeado por Lula fosse recebido pelos comandantes militares em dezembro de 2022, o que reforça a tese de que ele não buscava resistir ao resultado das urnas. Ele classificou a denúncia da PGR como contraditória, ao afirmar que o golpe não se consumou pela resistência das Forças Armadas e, ao mesmo tempo, falar em auge da trama. Vilardi reiterou que não há e-mails, comunicações ou qualquer prova que ligue Bolsonaro à “minuta golpista”, que foi encontrada apenas no celular de Mauro Cid e que, segundo o delator, não foi transmitida a ninguém. Ele sustentou que reuniões ministeriais, encontros com embaixadores e a conversa de 7 de dezembro com comandantes militares são meros atos preparatórios, que não configuram delito no Brasil, subverter o Código Penal seria puni-los. Para Vilardi, a pena superior a 30 anos para um assunto encerrado em dezembro seria desproporcional e irrazoável.

Um “Caso Dreyfus” no Brasil

O advogado Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno reforçou que os crimes imputados ao ex-presidente exigem que a conduta seja praticada mediante violência ou grave ameaça, requisitos que a denúncia tenta afastar. Ele alertou que, sem essa limitação, cidadãos poderiam ser processados por manifestações políticas legítimas, comparando a situação ao Código Penal soviético. Cunha Bueno criticou a construção acusatória como um “iter criminis estendido” que violaria o princípio da reserva legal, já que o legislador brasileiro não criminalizou atos preparatórios nos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Cunha Bueno comparou o processo contra Bolsonaro ao Caso Dreyfus, um escândalo judicial histórico na França, onde o capitão Alfred Dreyfus foi injustamente condenado por traição com base em provas forjadas e motivação antissemita. Ele alertou para o risco de uma condenação no Brasil marcada por fragilidade probatória, repetindo um “caso que representa uma cicatriz na história jurídica do Ocidente”.

Defesa do Gen. Heleno aponta postura inquisitória de Moraes

A defesa do general Augusto Heleno fez duras críticas à condução do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF. O advogado Matheus Mayer Milanez (foto) destacou que Moraes formulou 302 questionamentos, contra apenas 59 da PGR (Procuradoria-Geral da República). Para Milanez, esse desequilíbrio revela uma postura de “juiz inquisidor”, incompatível com o sistema acusatório, no qual a iniciativa probatória cabe ao Ministério Público: “Temos uma postura ativa do ministro relator de investigar testemunhas. Por que o Ministério Público não fez isso, qual o papel do juiz julgador, ou é o juiz inquisidor”. 

O advogado apontou ainda que o ministro buscou informações fora dos autos, como em redes sociais de testemunhas, o que, segundo a defesa, fere a imparcialidade. Para sustentar a crítica, foram citados juristas como Ferrajoli e Aury Lopes Júnior, que defendem a separação rigorosa entre as funções de acusar e julgar.

Violação e cerceamento

Outro ponto contestado foi a violação ao direito ao silêncio. Heleno respondeu apenas às perguntas de sua defesa, mas Moraes registrou em ata todas as perguntas não respondidas, sem que houvesse solicitação da PGR. Segundo os advogados, essa prática configura constrangimento e afronta ao princípio do indubio pro reo – princípio jurídico de origem latina que significa “na dúvida, a favor do réu”.

A defesa ainda alegou cerceamento de defesa em razão da complexidade do processo. Foram disponibilizados mais de 20 terabytes de documentos compactados (chegando a 70-80 TB descompactados), sem índice de consulta. Além disso, a chamada “agenda do golpe”, considerada prova central, teria sido juntada apenas dois dias antes do interrogatório de Heleno, em maio, impossibilitando análise adequada.

Em relação aos outros sete aliados de Bolsonaro que estão sendo julgados no mesmo processo, suas defesas, em geral, minimizaram a contribuição individual de cada acusado e buscar interpretações distintas dos fatos.

Discussão do PL da Anistia avança no Congresso, mas com forte resistência

A proposta de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, segue como um dos temas mais explosivos no Congresso Nacional e forte resistência na Suprema Corte e no Planalto. Na Câmara, a oposição pressiona o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) para pautar o projeto. PP e União Brasil já se alinham ao tema, enquanto Motta, embora negue votação imediata, admite abrir espaço após o julgamento de Jair Bolsonaro. Um dos principais articuladores é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que, a pedido do ex-presidente, passou a liderar negociações com líderes partidários como PP, PSD e União Brasil. O movimento, reforçado por nomes como Ciro Nogueira e Marcos Pereira, busca consolidar um “grande acordo de direita e centro” para viabilizar uma anistia ampla.

Do lado governista, a reação é dura. Líderes da base consideram a anistia inconstitucional, afirmando que crimes contra o Estado democrático de direito não podem ser perdoados. Em meio à pressão, o governo Lula liberou R$ 2,2 bilhões em emendas parlamentares, numa tentativa de reduzir tensões com o Congresso.

Senado

No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) anunciou uma proposta alternativa: reduzir penas para réus de menor participação, mas sem beneficiar Bolsonaro ou organizadores. A ideia, no entanto, foi prontamente rejeitada pela oposição. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) classificou o texto como “anistia meia bomba”, reafirmando que só aceita um perdão “amplo, geral e irrestrito”.