O envolvimento de entidades de classe, a exemplo da Acic (Associação Comercial e Industrial de Cascavel) na tomada de decisões no início da pandemia do novo coronavírus e, agora, como fomentadora de ideias e soluções para cobrir gargalos pode explicar os resultados muito mais otimistas daqueles esperados no primeiro semestre do ano.
Em entrevista para o Jornal O Paraná, o presidente da Acic, Michel Lopes, conta um pouco como foi a experiência de comandar uma das maiores entidades do Estado durante a pior crise do último século e os aprendizados deste ano. A íntegra você confere no site oparana.com.br.
O Paraná – Qual foi o papel da Acic no contexto empresarial e também social nesta pandemia?
Michel Lopes – Eu sempre digo que o mais importante é que nós tenhamos essa visão do todo, do coletivo, não da individualidade. O mais importante é saber ter o cuidado necessário com os empresários que nós representamos. Isso é cultura, isso é respeito pelas pessoas que acreditam na nossa representatividade e, por isso, desde o início da pandemia, solicitamos para o governo municipal que pudesse entender as angústias do setor produtivo, porque é muito difícil, dentro de um modelo macro, entender como uma empresa sobrevive, tem muita coisa por trás, muito requer do estabelecimento manter suas portas abertas e, o mais importante de tudo, que é a principal ferramenta do desenvolvimento de uma cidade, um estado, um país: a geração de emprego.
Sabemos que precisávamos de resiliência perante tudo o que vinha acontecendo, porém, também precisávamos de políticas públicas e de um entendimento de que a economia não poderia naufragar. Dentro de todo o contexto na região, em Cascavel, particularmente, conseguimos até certo ponto ter uma retomada dessa economia de forma bastante satisfatória. Mas tudo isso de nada importa se não tivermos o equilíbrio entre saúde e economia. Esse foi o nosso norteador desde o início.
O Paraná – Estar associado a uma entidade fez diferença?
Michel Lopes – Acredito que sim! Aquele cuidado, pensando no coletivo, querendo ou não, quando estamos no trabalho, em nossas empresas, a gente pensa nas dificuldades que encontramos no dia a dia e como as enfrentar. A partir do momento que saímos do individualismo e vamos para um ambiente coletivo, como é em uma entidade, independente de qual seja, você começa a pensar no todo e então ações voltadas a interesses comuns acontecem. Por isso acho muito importante o fortalecimento dessas entidades, porque, querendo ou não, elas têm esse papel de pensar o associativismo, o cooperativismo, que, inclusive, é muito forte na nossa região, mas sempre pensando no coletivo. E é isso que faz toda a diferença, porque é ele que dá força a um segmento, a um setor, para que possa ter um pouco mais de voz e consiga ser ouvido. Muitas políticas públicas dependem de uma aproximação em forma de sugestões que sempre pensem no coletivo. Essa é a importância das entidades, e se tornou bem notório nisso que aconteceu.
O Paraná – A Acic também começou a prestar alguns serviços que ela não prestava: a questão de crédito ficou mais evidente, mas vocês entraram com suportes psicológicos e de apoio…
Michel Lopes – Nós temos muitos núcleos setoriais dentro da Acic. São 36, no total. E, quando estourou a pandemia, nós envolvemos todos os núcleos e os coordenadores, avaliamos a possibilidade daqueles núcleos mais específicos estarem conosco no combate à pandemia e no auxílio da população. Um deles foi o núcleo de psicologia, que se pôs à disposição, inclusive para poder ajudar quem mais precisava durante aquele período de lockdown. Esse núcleo teve papel fundamental. Nós, como representantes do setor produtivo, vimos que o impacto mais significativo foi no micro e nos pequenos empresários, principalmente no que tange ao acesso ao crédito. Notamos essa necessidade, buscamos com o conselho e fizemos um aporte para que criássemos uma linha de crédito própria da Acic que está disponível a todos os associados até hoje e, provavelmente, vamos performar isso ainda porque tivemos um resultado muito satisfatório. Criamos essa linha em parceria com outra instituição financeira, o Sicoob, com a GarantiOeste, que é uma sociedade garantidora de crédito, para que esse pequeno e microempresário não precisasse ter uma garantia para acessar o recurso. Foi isso o que nós fizemos. Garantimos esse recurso ao associado, em contrapartida ele teve, de forma bastante facilitada, acesso ao crédito.
O Paraná – O Sebrae identificou que a maioria das dificuldades vem de pequenos empresários que não conseguem crédito por vias tradicionais. Já era uma demanda antiga, acredita acha que essas linhas podem crescer?
Michel Lopes – Não tenho dúvida disso. Agora nós entendemos a dificuldade do micro e do pequeno empresário, que realmente tiveram pouco acesso ao crédito. Isso vem principalmente porque eles não possuem garantia, aí cabe à entidade exercer seu papel, a sua missão de representação, e facilitar para que os empresários consigam manter seus negócios, buscar a sustentabilidade deles. Por isso que, lá atrás, quando buscamos e encontramos essa demanda, nós fizemos esse aporte que permitiu o acesso ao recurso. Eu acredito que essa tenha sido a ação mais significativa, cumprindo nossa missão.
O Paraná – Na sua opinião, o brasileiro está preparado para ser empreendedor?
Michel Lopes – De modo geral, não. Precisamos entender que a educação, desde o ensino infantil, fundamental e ensino médio, carece de discussões e debates sobre algumas matérias específicas a respeito do empreendedorismo. Vejo isso por conversar muito com o Sebrae, foi inclusive uma das pautas da Acic para esse processo eleitoral… vimos que falta ainda essa visão empreendedora nas escolas. Faltam políticas públicas voltadas para essa área.
O Paraná – De modo geral, os últimos indicadores têm sido positivos, mas a recuperação não é generalizada, é segmentada, inclusive alguns segmentos aparecem à beira da extinção. Isso é positivo, porque esse movimento é natural da evolução ou é necessário intervenção agora para que a crise não se intensifique?
Michel Lopes – Acredito que deve haver um mapeamento. Nós precisamos compreender o que está acontecendo. Há falta de matéria-prima, o que prejudica vários segmentos. Agora, uma intervenção do governo pode ser positiva de forma estratégica, mas momentânea. O governo não pode interferir na livre iniciativa. Temos que ter essa consciência. Acredito que precisamos entender o que está acontecendo, o porquê dessa falta de matéria-prima, se é consequência da pandemia e qual é o período para normalização… Caso contrário, acredito que o governo possa interferir em alguns segmentos pontualmente, mas não com políticas públicas, porque precisamos que a economia seja livre, e que também tenhamos a possibilidade de a livre iniciativa achar esses gargalos e, assim, poder de certa forma empreender para que possa realmente suprir as demandas emergenciais.
O Paraná – Quem vai se preocupar com isso, seria uma entidade que faria esse mapeamento ou o governo?
Michel Lopes – É uma engrenagem. Nós entendemos o que está ocorrendo enquanto entidade, levamos essa demanda ao governo, seja municipal, estadual ou federal, para que, dentro de suas competências, façam essas ações pontuais. Hoje temos um movimento de startups pensando em suprir gargalos, mas esse movimento tem que vir da livre iniciativa. É demorado? Depende da capacidade de investimento de cada um, mas vejo que não podemos ter interferências longas do governo, para que a gente possa manter essa engrenagem girando.
O Paraná – As entidades estão preparadas para fazer essa leitura?
Michel Lopes – Já estamos fazendo. Estamos levando demandas. Um exemplo é o que fizemos esta semana, em algumas interferências que possam prejudicar lá na frente alguns setores, como a avicultura: o valor da energia elétrica está aumentando de tal maneira que possa inviabilizar a concorrência com o mercado internacional e, para nossa região oeste, ela é fundamental. Nós temos que estar atentos ao que está acontecendo e levar essas demandas para o governo do Estado.
O Paraná – É possível evitar a inflação e não criar um cenário ainda pior para 2021 e 2022?
Michel Lopes – Nós temos que passar por essa pandemia e receber a vacina contra a covid-19. Aí, sim, as empresas poderão empregar mais. Porque, no setor produtivo, se uma pessoa está contaminada, ela pode parar toda a linha de produção e isso impacta em toda a cadeia. Estamos acompanhando algumas linhas de produção que pararam por contaminação e todos os funcionários terão de ficar na quarentena. Então, tudo requer acompanhamento para conseguir agir. Precisamos estar ainda mais atentos com a inflação porque dependemos do consumo e, se reduzirem demais o poder de consumo, comprometerá toda a economia local e elevará a inflação e, aí sim, é preciso de uma interferência do governo em cima disso para poder controlar. Estávamos buscando uma estabilidade e, agora, em função da pandemia, estamos com um futuro completamente incerto, não sabemos o que pode acontecer. Mas acredito que, em dois ou três meses, com a chegada da vacina, a gente possa ter um panorama bem desenhado e acho que algumas dessas ações pontuais irão acontecer. Precisamos manter a economia, manter a inflação sob controle, os juros baixos para poder atrair cada vez mais o consumo e para que todas as pessoas tenham condição de consumir.
O Paraná – Historicamente, a Acic levanta diversas bandeiras para a região: duplicação da BR-277, aeroporto regional, readequação do Trevo Cataratas… Quais dessas bandeiras ainda constam na pauta atual da Acic?
Michel Lopes – Temos algumas bandeiras ainda, mas o mais importante é que elas estão sendo hasteadas. São bandeiras históricas. Este ano tivemos a conquista de duas grandes bandeiras. A inauguração do novo terminal do aeroporto de Cascavel, sendo que a principal ferramenta de desenvolvimento de uma cidade é um aeroporto que dá condições de você se conectar ao mundo inteiro. E nós tivemos o anúncio do início das obras do Trevo Cataratas, um gargalo logístico que vem sendo discutido há mais de 30 anos. Este ano, graças ao Ministério Público Federal, através do acordo de leniência e do envolvimento do poder público, do governo do Estado e das lideranças municipais, conseguimos privilegiar essa importante obra.
Estamos fazendo a diferença. Conseguimos uma união que não víamos no passado e, graças a Deus, estamos conseguindo hastear essas duas bandeiras.
Nós temos ainda a duplicação da BR-277 desde Foz do Iguaçu a Paranaguá. É algo que ainda precisamos resolver. Nós estamos finalizando a concessão do pedágio em novembro do ano que vem, e estamos muito atentos com o que vem por aí. Vamos acompanhar a partir de janeiro as audiências públicas porque precisamos de uma redução de tarifas urgentemente e precisamos de obras. É inadmissível, se formos pensar que uma concessão teve 20 anos para cumprir essa obrigação e não a tenha feito. Vamos exigir que as obras de duplicação sejam feitas no início e não no fim. Também temos trabalhado em outra bandeira, que é tornar a rodovia do entorno de Cascavel um corredor industrial, com o objetivo de possibilitar que a iniciativa privada crie núcleos industriais particulares, grandes estruturas e até mesmo a vinda de multinacionais para poder fomentar emprego e renda.
E, por fim, a última bandeira que fará muita diferença é nossa ferrovia, um novo trecho até Maracaju, em Mato Grosso do Sul, e um ramal até Foz do Iguaçu, podendo se ligar até mesmo ao Paraguai e à Argentina, e o novo trecho de Guarapuava até o litoral paranaense. Acho que, com essas grandes obras, o oeste paranaense e Cascavel, como entroncamento logístico, terão um desenvolvimento à altura do que a gente espera.
O Paraná – O aeroporto regional continua na pauta?
Michel Lopes – Neste primeiro momento, nós suspendemos essa bandeira porque é algo que ficará para o futuro. Nós entendemos que daqui a 15, 20 anos vamos precisar de um aeroporto de cargas, visto que nosso atual aeroporto não tem capacidade de recebimento de aviões cargueiros, então, teremos que voltar a discutir o aeroporto regional, mas primeiro vamos comemorar essa grande conquista.
O Paraná – Fala-se muito da BR-277, mas a BR-369 também tem problemas sérios em trechos com vários acidentes e a BR-163 está sendo duplicada de forma muito lenta. Vocês possuem algum posicionamento específico sobre elas?
Michel Lopes – Não especificamente, mas nós queremos que o Anel de Integração seja duplicado. Isso vem ao encontro com a concessão do ano que vem. Então, precisamos estar muito atentos, unidos com nossos sistemas e acompanhando de perto, com a Faciap (Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado do Paraná). Nós estamos muito próximos, acompanhando diariamente e vendo como está sendo desenhada essa concessão, para que nos próximos cinco anos nós tenhamos a duplicação.
O Paraná – Comparado àquilo que se vislumbrava em março e abril, acha que estamos encerrando o ano de forma melhor ou pior?
Michel Lopes – Muito melhor. Na minha opinião, se olharmos para Cascavel, para a região oeste, estamos terminando o ano de forma muito mais satisfatória do que prevíamos lá atrás. O que acontece é que tínhamos um cenário extremamente preocupante quando olhávamos para o futuro. Eu agradeço ao prefeito (Leonaldo) Paranhos e à equipe que abriram as portas para que a gente pudesse estar contribuindo e participando de algumas decisões. Nós iniciamos um processo de governança para discutir a retomada da economia lá por abril. Isso envolvia a criação de várias ações pontuais, que foram capitaneadas pelo Sebrae, que fez um brilhante trabalho. Conseguimos dar condições para aqueles segmentos que estavam mais sofrendo com a pandemia retomarem de forma mais rápida. Alguns exemplos de ações práticas foram rodadas de negócios virtuais que criamos com alguns segmentos, como vestuário, onde realmente tivemos um impacto muito grande no início da pandemia. Tivemos que colocá-los frente a frente, os grandes compradores e aquelas pequenas indústrias de confecções. Tivemos várias negociações feitas ali. Isso deu condições para as indústrias poderem colocar na linha de produção alguns volumes que dessem a condição de sustentabilidade. Fizemos isso também no metal mecânico, nos supermercados, muitos pequenos produtores que sofreram puderam colocar seus produtos com os grandes mercados para que pudessem dar preferência aos produtores locais e a gente favorecesse essa economia.
Foram várias ações que fizemos durante esse processo de governança e estamos colhendo esses frutos hoje. Cascavel já retomou todos os empregos que tivemos de déficit em março e abril pelo desemprego. Hoje já temos um saldo positivo para o ano de 2020 e tudo isso graças a essas ações pontuais com envolvimento do poder público e de todas as entidades.
O Paraná – O que fica de aprendizado de tudo isso?
Michel Lopes – Resiliência, empatia e, mais do que nunca, respeito ao próximo. Entender que a nossa liberdade vai até onde começa a do outro. Muita gente fala que a Constituição Federal cita o direito de ir e vir, desde que você não atrapalhe ou interfira na condição do teu próximo. Vejo que precisamos de muita resiliência, nos adaptar a essas dificuldades, muito respeito ao próximo, porque, neste ano, faltou muito para muita gente. É algo que a gente vive no dia a dia. Precisamos entender que as pessoas vivem em comunidades e temos que pensar no bem comum, não somente em A ou B. Esse é o princípio básico do associativismo, da convivência entre os seres humanos. Então, acho que essas três virtudes precisamos levar como grande aprendizado para o futuro e que possamos, sim, ter uma nova cultura sendo desenhada sempre pensando e respeitando o próximo.
O Paraná – Você está encerrando seu mandato na Acic, quais são os planos para o futuro? Tem intenção de assumir alguma entidade?
Michel Lopes – Em um primeiro momento não. Quero descansar, tirar um ano sabático. Mas eu nunca quero deixar de estar próximo, ajudando. Acredito que faça parte do meu perfil. Eu gosto muito de colaborar, estar próximo das pessoas, das empresas. Eu vivo esse mundo há pelo menos 16, 17 anos. Já fui diretor de sindicato, participo da Acic há oito anos, gosto de entidades filantrópicas, procuro estar próximo tentando dar a minha contribuição. Acho que, se cada um fizer um pouquinho, todo o mundo ganha. Mas, em um primeiro momento, não tenho interesse em assumir novas entidades.