Cascavel - A prisão de um padre de 41 anos em Cascavel, acusado de abuso sexual contra menores de idade, desencadeou uma onda de denúncias que atingiram inclusive um arcebispo já falecido da cidade, citado em relatos de acobertamento e de assédio. Enquanto a polícia aprofunda as investigações e a atual Arquidiocese se posiciona publicamente, a chamada “bancada da hóstia” da Câmara de Cascavel — formada por vereadores eleitos com forte apoio da Igreja Católica — manteve absoluto silêncio em plenário.
Segundo a delegada Thais Regina Zanatta, titular do Nucria (Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes), os casos que resultaram na prisão temporária do religioso são investigados desde julho de 2025. No último dia 14 de agosto a Arquidiocese de Cascavel já havia afastado o padre das funções eclesiásticas.
“Os fatos se iniciaram entre 2009 e 2010 com uma tentativa de estupro de vulnerável, quando esse padre ainda era seminarista. Apesar de a vítima ser maior de 18 anos, estava em estado de sonolência, por isso é considerada vulnerável pela legislação penal. Esse caso foi levado ao arcebispo da época, mas nada foi feito. Houve um acordo para silenciar o episódio”, afirmou a delegada.
A delegada ainda detalhou o modo de atuação do investigado. “Há relatos de que crianças dormiam no quarto do padre, inclusive em sua cama. Já em 2019, outra vítima, um ex-usuário de drogas, relatou ter sido dopado e abusado enquanto pernoitava na casa paroquial”, disse.
Até o momento, três vítimas foram identificadas, todas homens, mas o número pode aumentar. “Algumas pessoas seriam ouvidas como testemunhas, mas durante a oitiva identificamos que também eram vítimas. Muitas não se reconheciam como tal, porque na época tinham entre 13 e 15 anos”, explicou Zanatta.
Denúncias
Em um dos depoimentos, um ex-seminarista, descreveu situações ocorridas dentro da própria Cúria Metropolitana.
“Eu morava com o falecido arcebispo Dom Mauro Aparecido dos Santos. Não tenho provas dos atos cometidos por ele, mas toda vez que íamos assistir TV, ele pedia para alguém deitar no colo dele para acariciar”, relatou.
Segundo a delegada, há elementos que indicam acobertamento por parte do arcebispo, falecido em 2021. “Esse arcebispo fez dois seminaristas assinarem um termo de acordo para que o fato não fosse levado às autoridades. O que causa estranheza é que há relatos de assédio cometidos por ele próprio”, declarou Zanatta.
E a Câmara?
Já na Câmara de Cascavel, onde a pauta religiosa frequentemente ocupa espaço de destaque, o silêncio dos parlamentares ligados à Igreja Católica durante a sessão ordinária de ontem (25), não passou em branco. Em outros momentos, os vereadores se pronunciaram em defesa de “valores da família” e da moral cristã. No entanto, não se manifestaram em plenário diante das graves acusações.
Inclusive, o padre preso recebeu, em 2022, uma moção de aplauso da própria Câmara de Cascavel.
Posição da Arquidiocese
O atual arcebispo, Dom José Mário Scalon Angonese, se pronunciou em nota oficial, destacando o desejo da Igreja de que os fatos sejam plenamente apurados.
“O desejo sincero da Igreja é que a verdade venha à tona. Se o padre de fato cometeu o delito, ele deve responder por isso. Suspendemos o sacerdote e abrimos um processo de investigação, já encaminhado a Roma. Se confirmada a pedofilia, a decisão é clara: demissão do estado clerical”, afirmou.
Dom José também fez questão de reforçar a solidariedade da instituição às vítimas.
“Como se trata de um membro da Igreja, o nosso zelo deve ser ainda maior por ajudar as pessoas e as famílias a superarem esses momentos de dor. Nossa Arquidiocese tem 74 padres, homens muito bons, justos e dedicados. Não seria justo que todos pagassem o preço por um que se desviou do caminho.”