
Mas as feridas de décadas de segregação não se fecham rapidamente. Enquanto o rúgbi precisou aprovar um regime de cotas para negros na equipe sul-africana, o time de futebol que chega à Olimpíada e hoje enfrenta o Brasil é prova de que o esporte ainda reflete uma sociedade dividida. Quem olhar para o campo durante um treino da seleção verá uma única pessoa branca: Karen Schwabe, a médica. Quase um retrato de estratos sociais.
O fim da segregação oficial não rompe por decreto uma divisão sócio-econômica e, acima de tudo, cultural. Ainda há feridas abertas, uma história difícil de apagar.
? Muitos brancos acompanham futebol, mas o futebol inglês. Se uma equipe britânica vem ao país jogar um amistoso de pré-temporada, estádios se enchem de brancos. Mas não há o apoio ao time sul-africano. A última vez que vimos pessoas de todas as raças torcendo pelo futebol foi na Copa do Mundo. Não durou muito, uma pena ? disse ao GLOBO Ryland Fisher, jornalista e escritor sul-africano dedicado a estudar os reflexos esportivos da divisão racial.
A presença de brancos no futebol sul-africano ainda é tímida. Embora minoria no país, são muito presentes em todas as demais modalidades em que a África do Sul se fará representar no Rio-2016. No time de futebol feminino, há um cenário mais representativo da sociedade: são três jogadoras brancas.
? Mesmo o país sendo uma democracia há 22 anos, a maioria dos negros sul-africanos é pobre e a maioria dos pobres é negra. Historicamente, rugbi e críquete foram o esporte preferido dos brancos e o futebol, o mais amado pelos negros. Talvez por ser barato de se praticar. A questão das escolas influi, o futebol não é uma opção nas escolas que, historicamente, só aceitavam brancos – diz Fisher ? Acho que o ensino do futebol deveria, por decisão governamental, passar a ser compulsório.
Segundo Owen da Gama, técnico do time masculino, que enfrenta o Brasil nesta quinta-feira, a questão da tradição escolar é decisiva. Mas ele enxerga uma possibilidade de mudança no horizonte.
? Não sou político, sou um treinador de futebol. E não vejo cor no esporte. Minha mãe é branca e meu pai, negro. Acontece que, desde sempre, rugby e cricket têm mais suporte nas escolas e universidades. Estas nunca ofereceram o futebol como opção. E escolas e universidades sempre estiveram mais ao alcance dos brancos. Há mais de 27 mil escolas no país e, hoje, três mil já ensinam o futebol. Então, podemos ter uma mudança em breve ? diz Da Gama que, curiosamente, é descendente do navegador Vasco da Gama.
Há, ainda, um senso comum no país de que homens brancos não sabem jogar.
? Em geral, eles não são os melhores jogadores. Também não são os mais interessados? disse ao GLOBO Namhla Mphelo, assessora de imprensa da equipe de futebol.
LEIA MAIS:
Seleção usa criatividade para se adaptar à rotina olímpica
Futebol masculino do Brasil estreia em torneio que pode ser divisor de águas
Estrangeiros se encantam com samba e churrasquinho
Programação dos Jogos Rio 2016 segue com futebol masculino
Olimpíada começa em Brasília com promessa de paralisação de policiais civis