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A receita de sucesso da cerimônia

2016 928009740-201608052143346663.jpg_20160805.jpg?Estou com a alma lavada?, festeja Abel Gomes. Não é para menos. Diretor-geral artístico da cerimônia de abertura da Olimpíada do Rio, Abel vem colhendo elogios desde o início da exibição, que durou cerca de três horas e foi assistida por cerca de 4 milhões de pessoas. Ao final, conta, ele foi tomado por um choro de alegria, resultado de um trabalho de três anos.

? Acabou saindo como a gente sonhou. Mas claro que, ao longo do sonho, algumas coisas mudam. Transformamos o palco num grande teatro, e quisemos um espetáculo analógico, que toca mais no coração, na veia ? diz Abel ? Acho que desceu uma luz divina. Nós, os brasileiros, fizemos um grande espetáculo.

Entre tantos belos momentos, como o do Hino Nacional cantado por Paulinho da Viola, logo no início, ficou difícil para o público escolher sua sequência favorita. Entre o painel composto por elásticos, a cidade de caixas mutável e o andar de Gisele Bündchen em direção a Tom Jobim (1927-1994) sobre os traços de Oscar Niemeyer (1907-2012), Abel destaca a presença do inventor Santos Dumont e seu 14 Bis. Nos Estados Unidos, acredita-se que os responsáveis pela invenção do avião foram os irmãos Orville e Wilbur Wright:

? O tempo todo nós quisemos falar dos brasileiros, e passamos um recado para o mundo. O Santos Dumont fui eu quem quis colocar, porque acho que era o momento de dizer isso para o mundo. Eu trabalhei com profissionais de mais de 20 nacionalidades, os estrangeiros não sabiam quem era ele, e isso me deu muita raiva. O mundo tem que saber que ele foi um brasileiro que deixou um legado.

Para Fernando Meirelles, diretor criativo ao lado de Andrucha Waddington e Daniela Thomas, não houve como não se emocionar. Foi a primeira vez que o espetáculo foi encenado sem erros, frequentes nos ensaios.

? Mas o que mais me emocionou mesmo foi o engajamento da plateia, havia uma eletricidade no ar, sólida. Ao ouvir a plateia cantando ?sou brasileiro, com muito orgulho??, uma sensação estranha e deliciosa atravessou o meu corpo. Era exatamente isso que queríamos, que os brasileiros lembrassem que somos um povo que não tem medo de fumaça e que não se entrega. Ali tive certeza de que alguma conexão havia sido religada no Maracanã ? diz Meirelles.

Andrucha conta que a grande preocupação era que não houvesse buracos na cerimônia, que chamou a atenção para a questão climática e o respeito às diferenças. Ele destaca a performance do sambista Wilson das Neves ao lado do menino Thawan Lucas da Trindade, de 12 anos, a de Paulinho da Viola e a fala de Regina Casé, que logo depois cantou ?País tropical? com Jorge Ben Jor:

? Regina falou sobre celebrar as diferenças e fez todo mundo entender a mensagem. Não estávamos falando do nosso umbigo, mas com o mundo. E a cidade, particularmente, estava quebrada com o pessimismo. Não planejamos, mas conseguimos recuperar a autoestima das pessoas, sem prever ou desejar. Queríamos um puta espetáculo e mandar um recado bacana ao mundo de como a gente é legal.

A coreógrafa Deborah Colker, diretora de movimento da festa, endossa a opinião de Andrucha:

? É inegável que a gente sabe fazer festa. Antes mesmo de começar, a plateia já estava fazendo a ola. Eu senti uma coisa muito positiva, astral. Acho que encontramos um bom senso entre a construção e a destruição. Estou orgulhosa, é o maior espetáculo que já dirigi.

Paulinho da Viola confessa que precisou conter a emoção ao cantar o Hino Nacional acompanhado de um octeto de cordas. A ideia inicial da produção era que o artista se apresentasse somente com voz e violão. No entanto, a equipe mudou de ideia ao assistir a um vídeo de uma apresentação de Paulinho com uma orquestra em Roterdã, na Holanda.

? Me deram a liberdade de fazer como eu quisesse. Adoraria ter cantado a segunda parte do hino, mas foi preciso encurtar a participação. Para mim é uma honra, mas ao mesmo tempo uma responsabilidade muito grande ? diz Paulinho da Viola.

Gisele Bündchen arrancou suspiros quando cruzou a maior passarela de sua história como modelo, o piso de 120 metros no Maracanã, ao som de ?Garota de Ipanema?, de Tom e Vinicius. Deslumbrante com um vestido longo de fenda e decote, assinado por Alexandre Herchcovicht, a top chorou ao final do desfile. Ontem, postou nas redes sociais um vídeo de sua participação na abertura da Rio 2016 com a legenda ?energia indescritível?.

? Foi muito emocionante fazer parte desse momento tão especial. Todos trabalharam com muita dedicação e paixão para mostrar um pouco da nossa história e essência e o fizeram tão lindamente. Nós somos um povo batalhador, alegre, acolhedor, e acredito que mostramos ao mundo a beleza da nossa diversidade ? disse a top ao GLOBO.

A emoção contagiou ainda Zeca Pagodinho, que cantou o hit ?Deixa a vida me levar?, logo após a participação de Marcelo D2 e Elza Soares.

? Tive a mesma sensação de quando subi ao palco pela primeira vez. Foi uma emoção muito grande, daquelas de arrepiar, sabe? Só para ter uma ideia: eu nem bebi. Quando cheguei em casa é que fui assistir ao espetáculo pela televisão e tomei um chope. A passagem das delegações me lembrou o desfile das escolas de samba ? compara Zeca.

Com o orçamento reduzido e um posterior corte de 30%, a criatividade foi a saída encontrada pela produção para superar as limitações. Meirelles diz que a falta de dinheiro ?é gasolina para a inventividade?. E cita casos específicos. A cidade composta por 74 caixas, por exemplo, foi o jeito encontrado para driblar o entra e sai de pessoas e objetos por uma entrada pequena. Os elásticos substituíram uma possível tela grande que entraria pela lateral. E acabaram tendo outro uso.

? Se você tem que projetar uma casa num terreno íngreme e rochoso, tenho certeza de que ela será bem mais criativa ou diferente do que uma, até mais cara, feita num terreno plano e estável ? compara.

Deborah conta que lidar com a ausência dos voluntários nos ensaios foi um grande desafio no espetáculo final.

? Trabalhar com voluntário é maravilhoso porque eles têm paixão, boa vontade, chegam sem vícios de interpretação. Mas, ao mesmo tempo, eles têm uma vida, têm trabalho. E faltam. Tinha dia que eu ficava louca com a ausência de 900 pessoas.

Andrucha conta que, após a desistência de Pelé, que alegou não ter condições de saúde, coube a ele, diretor, comunicar ao atleta Vanderlei Cordeiro de Lima sobre sua escolha para acender a pira olímpica.

? Isso aconteceu na própria sexta-feira, às 13h58m, e eu tinha até 14h30m para ensaiar com ele. E achei muito bonita a forma como ele reagiu, com um ?Vamos nessa?. Acho que ele representa o Brasil do jeito que ele é.

Polêmica com ?Garota de Ipanema?

A família de Vinicius de Moraes (1913-1980) está aborrecida com o Comitê Organizador da Rio 2016, como noticiou o Blog do Ancelmo. O motivo é que, no momento em que Gisele Bündchen desfilou pelo Maracanã ao som de ?Garota de Ipanema?, uma foto de Tom Jobim (1927-1994) apareceu em destaque, para o mundo todo, sem referência alguma a Vinicius, que é coautor do clássico. O Comitê Rio 2016 tenta agora contornar a situação, pois a família já estuda uma ação judicial.