
? Lucia é uma pintora que faz muito mais do que pintar ? diz Clarrisa Diniz, curadora da mostra ao lado de Cadu. ? E que dentro desse universo do ?muito mais? inclui uma sofisticada colaboração com muitas pessoas que com ela elaboram, pensam muito, reveem o mundo a partir da criação desses últimos anos.
Lucia começou retratando, de forma abstrata, a arquitetura irregular do subúrbio, com um processo muito particular que segue até hoje: cola fitas adesivas nas telas, pinta sobre elas, retira-as e recomeça. Foi assim que fez, por exemplo, a série ?Entre a Linha Vermelha e a Linha Amarela?, no início dos anos 2000. Hoje, sua produção passa por três temas: a paisagem exterior permanece, mas a ela foram acrescidos o que se vê da janela para dentro ? o ateliê, com seus objetos ? e, mais recentemente, o jardim no quintal da casa, meio do caminho entre o fora e o dentro.
?SEMPRE GOSTEI DE ME AGRUPAR COM PESSOAS?
O conjunto de telas oferece uma perspectiva apurada da produção da artista.
? A exposição tem um equilíbrio curioso entre ser uma retrospectiva e também dar conta do que há de mais urgente na produção atual da artista ? observa Clarissa. ? Talvez metade seja de pinturas feitas neste ano, e com isso estamos falando da possibilidade de entender o que agora a inquieta, mobiliza Lucia e toda a sua equipe, ao mesmo tempo que colabora no entendimento desse percurso.
Quando fala em ?toda a sua equipe?, é para ser entendido ao pé da letra.
? Sempre gostei de me agrupar com pessoas, de trocar ideias, e estava sempre com gente no ateliê. Chegou um momento em que essa produção foi ficando extensa, eu não dava mais conta de fazer. Além do que, tem a questão da idade, a gente vai ficando mais velhinha ? conta Lucia, hoje com 75. ? O companheirismo e a participação são fundamentais no meu trabalho. Eu não vivo sozinha, trabalho com uma turma que sustenta o que faço.
Com seus atuais colaboradores ? Davi Baltar, Claudio Tobinaga, Sumara Rouff e Claudio Oliveira ?, Lucia conversa sobre arte e cultura e troca ideias sobre pintura. A começar pela sua. É normal pedir a um deles que inicie o trabalho. Ou ainda que interfira sobre o que já pintou, para que continue a partir dali. Outra prática comum é girar a tela, acrescentando elementos que fazem com que a obra, ao final, muitas vezes funcione em qualquer posição. A artista percebeu, ao longo do processo, que pessoas diferentes têm olhares distintos sobre o mundo, outros desejos, e que essa cooperação era boa.
? Mas a decisão final é sempre minha. Se o quadro fica na horizontal ou na vertical, se a composição vai ser modificada. Sou eu que assino a tela ? diz.
As telas mais recentes trazem elementos mais figurativos ? às vezes algo do mobiliário, como um banco, peça cuja forma a atrai particularmente, ou uma escada.
? A minha pintura está muito ligada à minha vida. Cada vez que dou um passo me surpreendo com o que está acontecendo ali, vou crescendo junto ? comentou ela na Conversa de Galeria realizada no MAR, onde, ao lado das pinturas, também é possível ver algumas colagens com as fitas adesivas utilizadas nas obras e ainda peças de mobiliário, como os bancos de que tanto gosta.