Cotidiano

Em encontro com Janot, presidente do Conselho de Ética se queixa de manobras de Cunha

Manobras feitas pelo presidente afastado da Casa Eduardo Cunha e seus aliados para atrapalhar o andamento do processo de cassação de seu mandato

BRASÍLIA — O presidente do Conselho de Ética da Câmara, José Carlos Araújo (PR-BA) entregou, nesta quarta-feira, ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, documentos que na opinião dele revelam manobras feitas pelo presidente afastado da Casa Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e seus aliados para atrapalhar o andamento do processo de cassação dele no órgão. Segundo Araújo, Janot ouviu “pacientemente”, disse que está acompanhando, mas não fez nenhum comentário sobre a questão. Apenas respondeu a uma brincadeira que Araújo fez, ao dizer que só tinha como reclamar da interferência indevida sobre os trabalhos do conselho a ele e ao Papa Francisco.

O relator Marcos Rogério (DEM-RO) lê na tarde desta quarta-feira o relatório sobre o processo contra Cunha.

— Levei a ele tudo o que está acontecendo aqui, tudo o que acho que é manobra dele e dos aliados dele e entreguei. Ele ouviu pacientemente, disse que está acompanhando e, quando eu falei que só tinha a ele e ao Papa Francisco para me queixar ele respondeu: fique com o Papa. Não sei o que ele quis dizer com isso. Mas como todo brasileiro ele está acompanhando tudo — contou Araújo.

O encontro aconteceu na manhã desta quarta-feira e Araújo estava acompanhado do vice-presidente do conselho, Sandro Alex (PSD-PR). O presidente do conselho disse que entregou para Janot cópias das questões de ordem feitas por aliados de Cunha para tentar paralisar os trabalhos do conselho, a consulta encaminhada ontem pelo presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA), que tenta estabelecer regras para a votação do processo de quebra de decoro em plenário, além das substituições de integrantes do conselho que estão sendo feitas.

— Levei tudo para mostrar que, sem dúvida nenhuma, mesmo afastado do mandato e da presidência Eduardo Cunha continua manobrando – e forte – na Casa. Está tentando sufocar o Conselho de Ética. E, nessa consulta mais recente, agora quem tirar o poder de decisão do plenário e transferir para o Conselho, o que me lisonjeia, mas o plenário é soberano — ironizou Araújo, acrescentando:

— O que espero é que os deputados dessa Casa tenham bom senso e não aceitem esse tipo de intromissão.

CONSULTA À CCJ

A consulta, que na opinião de opositores de Cunha poderá beneficiá-lo na votação do processo de cassação dele em plenário, só deve ser votada na próxima semana na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Apesar da celeridade em indicar o relator da consulta encaminhada ontem pelo presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), o presidente da CCJ, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) anunciou que só pautará propostas para votação 24 horas após a entrega do relatório.

Em reunião na manhã desta quarta-feira com coordenadores dos partidos na comissão, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) indagou Serraglio sobre a votação da consulta e perguntou se a intenção seria votar ainda esta semana.

— Ponderei, sem entrar no mérito da consulta, sobre a discussão da consulta no mesmo dia em que o Conselho começa a discutir o relatório de Cunha. Que poderia parecer uma tentativa de constranger o Conselho de Ética. Ele indagou se era consenso entre os demais coordenadores e avisou que só pautará relatórios 24 horas depois que receber — disse Delgado.

A consulta faz questionamentos sobre as regras para a votação do processo contra Cunha em plenário e poderá abrir janela para mudanças, como a apresentação de penas alternativas em plenário. Aliados de Cunha negam que a consulta enviada por Maranhão à CCJ seja uma manobra e sustentam que a intenção é dirimir dúvidas sobre a votação de processos por quebra de decoro parlamentar.

A consulta original é de autoria do deputado Wellington Roberto (PR-PB), que integra o conselho e é um dos aliados de Cunha. Maranhão, também aliado de Cunha, recebeu a consulta e encaminhou-a à CCJ ontem. Ontem mesmo, o presidente da comissão, Osmar Serraglio (PMDB-PR), e escolheu como relator dela o ex-presidente da comissão, Artur Lira (PP-AL), amigo próximo de Cunha. Lira foi presidente da CCJ com o apoio de Cunha. Serraglio também foi indicado para a presidência da CCJ pela ala do PMDB que era a favor do impeachment Dilma desde o início e teria tido as bençãos de Cunha. Serraglio nega.

A consulta faz quatro perguntas: se o que vai a votação no plenário é o relatório ou o projeto de resolução que formaliza a pena; se podem ser feitas emendas a esse projeto: se essas emendas podem ser prejudiciais ao representado; e se, em caso de rejeição do projeto de resolução, é votada a representação originalmente oferecida ao Conselho de Ética ou se ele será considerada prejudicada.

A medida intrigou integrantes o Conselho de Ética que veem nela uma tentativa dos aliados de Cunha de tentar “castrar” o plenário, definindo regras que poderiam salvar seu mandato. Acreditam que a intenção é dizer que cabe emendas ao projeto que estipula a pena, desde que não sejam prejudiciais ao representado. E, se for derrotado, não poderá ser votada a representação do PSOL e da Rede que pede a cassação do mandato.