Cotidiano

Constituição já protege terra produtiva e Incra é responsável por fiscalizar ‘função’

02/08/2021 Governador Carlos Massa Ratinho Junior lança pedra fundamental duplicação do Contorno Oeste de Cascavel.
Foto Gilson Abreu/AEN
02/08/2021 Governador Carlos Massa Ratinho Junior lança pedra fundamental duplicação do Contorno Oeste de Cascavel. Foto Gilson Abreu/AEN

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), validando por unanimidade dispositivos da Lei da Reforma Agrária permitindo a desapropriação de terras produtivas, “que não estejam cumprindo sua função social”, estremeceu os setores produtivos do agronegócio em todo o Brasil. O posicionamento do Supremo gerou questionamentos da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e da FPA (Frente Parlamentar Agropecuária).

Para a CNA, é impossível exigir os dois requisitos, “seja para a conceituação da propriedade produtiva, seja para a caracterização da função social”. Também argumentou que permitir a desapropriação de imóvel produtivo que não cumpra função social é “dar-lhe tratamento idêntico ao dispensado às propriedades improdutivas”.

A equipe de reportagem do Jornal O Paraná conversou com representantes do setor ruralista, juristas e com o Incra, para dirimir algumas dúvidas sobre os próximos passos a serem dados sobre essa decisão. Um questionamento relevante é sobre a quem caberá avaliar se a propriedade produtiva cumpre ou não a função social e como determiná-la.

O superintendente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no Paraná, Nilton Bezerra Guedes, disse ao O Paraná que a decisão do Supremo realmente está causando várias  reações e com muita repercussão. “O órgão responsável por fazer a fiscalização da função social da propriedade rural no Brasil é do Incra”, afirmou.

Essa atribuição do órgão sobre a aptidão da propriedade em torno do cumprimento da função social foi definida no Estatuto da Terra de 1964, Lei 4.504. “O artigo 22 dessa lei é bem claro. Ele autoriza o Ibra, que é o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, que atualmente é o Incra, criado em 1970, a proceder com esse estudo juntamente com outros grupos especiais”.

Na Constituição de 1988 também há algo nesse sentido, por meio da Lei 8.629, de 1993. “No artigo segundo, inciso primeiro, constam que esse trabalho é feito pelo órgão federal competente e um pouco mais para frente, tem a Lei 10.550, de 2002, com a definição da carreira de perito federal agrário”. Ainda segundo o superintendente estadual, o Incra é responsável por fazer a fiscalização da propriedade, inclusive constituído exclusivamente por engenheiros agrônomos. “Portanto, é nossa função exclusiva fazer essa fiscalização, logicamente que trabalhamos em parceria com os analistas do Ibama e com os auditores do Ministério do Trabalho, entre outros parceiros”. Bezerra Guedes comenta que o laudo final é emitido pelo Incra, com todo o procedimento desapropriatório para fins de reforma agrária.

 

Constituição já protege

O advogado Paulo Roberto Kohl, de Palmas, no Paraná, falou ao O Paraná sobre a função social da propriedade e o STF. A questão diz respeito aos requisitos necessários para impedir a desapropriação-sanção de imóveis rurais. Para a entidade não haveria necessidade de exigência simultânea de produtividade (requisito econômico) e a função social para tornar o imóvel insuscetível de desapropriação, já que o artigo 185, II, da Constituição Federal, veda a desapropriação da “propriedade produtiva”.

No entanto, o STF julgou improcedente a ação para considerar que somente não estarão sujeitos à desapropriação os imóveis rurais que cumprirem os requisitos da função social da propriedade, conforme artigo 186 da Constituição Federal.

 

Requisitos

De acordo com o artigo 186, a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, os seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado da área; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Além do requisito econômico (aproveitamento racional e adequado da terra), é necessário o cumprimento das normas ambientais (II), observância das normas trabalhista (III) e exploração que favoreça o bem-estar (IV). “Ocorre que hoje não há legislação específica regulamentando os demais requisitos elencados pelo STF. É plenamente possível a regularização da questão ambiental, mediante projetos de recuperação ou mesmo aderindo ao PRA (Programa de Regularização Ambiental) previsto no Código Florestal. O mesmo se dá em relação as questões trabalhistas que podem perfeitamente ser resolvidas no âmbito da Justiça do Trabalho”, salienta o advogado.

Segundo Kohl, a Constituição Federal é expressa ao impedir a perda da propriedade ou da liberdade sem o devido processo legal (artigo 5º, LIV, CF). Ausente critérios claros previstos em Lei quanto aos requisitos necessários a possível desapropriação e quem será competente para aferir o cumprimento desses requisitos, não se admite desapropriação-sanção de propriedade produtiva.  “Os produtores rurais devem se precaver para que seja cumprindo a legislação ambiental e trabalhista, e guardando a documentação respectiva: notas fiscais de produção, laudos agronômicos, comprovantes de pagamento de verbas trabalhistas e fiscais”.