Esportes

Em Cuba, boxe chinês começa a tirar espaço do pugilismo tradicional

HAVANA – Os tempos são de mudanças, ainda que lentas, em Cuba. A reaproximação do país com os Estados Unidos e a morte de Fidel Castro são os exemplos mais notórios disso. Mas parece que o vento soprou em todas as áreas, inclusive no esporte. O futebol ganha cada vez mais o espaço do beisebol e até o sagrado boxe começa a perder terreno para o sanda, o boxe chinês. Os ringues de Havana estão ganhando um sotaque mais asiático.

? Esta é uma luta mais completa. É como se fosse uma união de vários estilos de artes marciais com o boxe tradicional. Pode-se golpear com punho cerrado ou com a mão aberta ? conta Fran Cazón Cardenas, de 44 anos, dono da academia ?Dragón Rojo? e vice-presidente da Associação Cubana de Sanda, esporte que é conhecido também como wushu. ? Este esporte está crescendo em Cuba entre pessoas que desejam uma luta que serve como treinamento total para o corpo.

Cazón conta que a febre do sanda começou no ano 2000 ? coincidindo com o aumento da influência chinesa na Ilha ? e que hoje há academias do esporte chinês em todas as províncias do país. Ele afirma que no começo muitos confundiam a luta com kickboxing ou com o muay thai, mas que os jovens estão preferindo esta modalidade ao tradicional boxe, que foi sempre tão presente na história cubana e era uma das principais ligações do país com os Estados Unidos.

? Já podemos dizer que este é um dos principais esportes do país ? disse o dirigente, técnico e dono de academia. ? Ainda não temos um grande destaque internacional, falta uma atuação mais direta dos cubanos, mas estou convencido que logo apareceremos como uma das grandes forças deste esporte nas competições fora da ilha.

De fato, Cuba não participou do último campeonato mundial da luta, que ocorreu em Xi?an (China), no começo de dezembro. O ranking da competição foi dominado pelos donos da casa e inventores da luta, seguidos de Irã, Filipinas, Rússia e Quirguistão, em um total de 16 países que se enfrentaram no evento. Entre os países ocidentais, os destaques são Turquia, França e Itália.

A academia que administra, no bairro de La Regla, nas cercanias de Havana, é considerada uma das melhores do país. Cerca de 80 adultos pagam US$ 2 CUCs (R$ 7,50) por mês para treinar no local, adornado com bandeiras e motivos chineses. Ele mantém um trabalho social e treina as crianças carentes do bairro de forma gratuita. Como a maior parte dos cubanos, sabe que o esporte é importante para as crianças, por ajudá-los a ter um futuro e aplacar a falta de lazer e de esperança em um país que, apesar dos avanços recentes, segue pobre e desigual.

Elvin Ramón Thompson, de 26 anos, trocou o karatê pelo Sanda há quatro anos e não se arrepende. Já foi campeão de Havana no esporte chinês e agora, recuperado de uma lesão, luta para recuperar a boa forma:

? Este esporte é diferente, pois exige preparação física, timing e muito raciocínio, por ser um estilo mais livre.

Mas o desafio dos lutadores vai além de seus próprios limites. José Manuel Castillo Lorenzo, de 28 anos, é tricampeão nacional de sanda. Treina três horas por dia e sonha em ir a campeonatos internacionais. O desejo aumenta quando conversa com seu irmão, radicado em Miami e lutador de MMA, onde tem uma outra situação de treino e de carreira. Ele também sonha ter a mesma condição dos lutadores brasileiros.

? Vocês, brasileiros, são muito bons nisso ? afirma.INFOCHPDPICT000065788835

ORGULHO DA FAMÍLIA

Mas, como em qualquer história de superação de esportistas de terceiro mundo, Castillo não vive apenas de glórias:

? Eu moro em Habana Vieja e trabalho de dia como bicitaxi, levando turistas para cima e para baixo. O mais interessante é que ninguém desconfia que sou um lutador ? ri, lembrando que ainda faz bicos na construção civil na reforma da casa que sua família tem no centro da capital cubana, onde pretende ter um ou dois quartos para alugar para turistas, hoje a principal fonte de renda em Havana.

Conhecido no mundo do sanda como Hulk ? ele tem o nome do super- herói fortão tatuado nas costas ?, Castillo é um entusiasta do esporte. Ele já havia atuando em outras artes marciais antes, mas afirma que se encontrou no sanda. Orgulho de toda a família, e serve de inspiração para muitos jovens da ilha. Um deles é Carlos Daniel Sosa, de 10 anos, que pediu ao pai para entrar na ?Dragón Rojo?:

? Gosto de estar aprendendo a lutar ? disse ele, tímido ao responder porque preferiu o sanda ao boxe ou a outras lutas. ? Sanda é mais completo, mais legal e é o que todos os meus amigos estão fazendo.