Cotidiano

Projeto na Islândia transforma poluição em pedra

RIO – Principal gás do efeito estufa emitido pela ação humana, o dióxido de carbono (CO2) é alvo de diversas iniciativas nos últimos anos que visam sua ?captura e sequestro? antes que chegue à atmosfera, onde contribui para o aquecimento global que levou, por exemplo, a um derretimento recorde do gelo na Groenlândia em 2015. A ideia por trás de muitas destas iniciativas é pegar o gás gerado por grandes fontes emissoras de CO2, como usinas elétricas a carvão, e injetá-lo, puro ou liquefeito, diretamente no solo, prendendo-o nas profundezas da crosta terrestre. Estes projetos, no entanto, têm se mostrado dispendiosos, limitados e arriscados, com temores de que o gás, ora preso, acabe escapando para a atmosfera por meio de rachaduras subterrâneas e outros caminhos. Mas um projeto-piloto em uma usina geotérmica na Islândia mostrou que é possível reter este carbono e impedir que ele alcance a atmosfera de forma eficiente e praticamente definitiva. Para isso, bastaria transformar o CO2 em pedra, usando a química natural da própria Terra.

Localizada a cerca de 25 quilômetros a Leste da capital islandesa de Reykjavik, a usina de Hellisheidi usa água aquecida por vulcões próximos para movimentar suas turbinas. Este processo, porém, não é de todo limpo, já que junto com a água vêm gases vulcânicos, como o dióxido de carbono e o fedorento sulfeto de hidrogênio (H2S), que se tornou um grande incômodo para os moradores da área. Assim, o complexo de Hellisheidi emite cerca de 40 mil toneladas de CO2 anualmente ? o que, embora represente apenas 5% da poluição de uma térmica a carvão com potência equivalente, ainda é uma quantidade considerável ?, além de 12 mil toneladas anuais de H2S. Diante disso, em 2007 a empresa operadora da usina, Reykjavik Energy, se uniu a um consórcio internacional de cientistas em busca de uma solução para se livrar não só do dióxido de carbono como do nauseante sulfeto de hidrogênio.

Com o nome CarbFix, o projeto iniciado em 2012 mistura os gases com a água bombeada para mover as turbinas da usina e reinjeta a solução em uma camada de basalto vulcânico entre 400 e 800 metros abaixo. Na natureza, quando o basalto ? uma rocha dura entre as mais comuns na crosta terrestre e muito usada como revestimento, que pode ser facilmente encontrada no Rio como as partes escuras dos calçadões de pedras portuguesas ? é exposto a CO2 e água, uma série de reações químicas faz o carbono se precipitar como um mineral farinhento e esbranquiçado. Ninguém sabia, no entanto, quanto tempo isso levaria para acontecer e se o processo poderia ser usado na captura de carbono. Estimativas iniciais indicavam que na maior parte das rochas dos projetos de sequestro de carbono, calcárias, seriam necessários centenas a milhares de anos para o carbono se mineralizar, mas no basalto sob Hellisheidi de 95% a 98% do carbono injetado se tornou pedra em menos de dois anos.

? Minerais carbonados não vazam do solo, então nosso método resulta em um armazenamento permanente e amigável para o meio ambiente das emissões de CO2 ? destaca Juerg Matter, professor de geoengenharia da Universidade de Southampton, no Reino Unido, e um dos autores de artigo sobre o sucesso do projeto-piloto, publicado ontem na revista ?Science?. ? Além disso, o basalto é uma das rochas mais comuns da Terra, o que nos dá um enorme potencial de armazenagem de CO2.

No projeto-piloto realizado em 2012-2013 descrito no artigo, os cientistas injetaram no solo só cerca de 250 toneladas de carbono. O sucesso da experiência, porém, os levou a aumentar a escala da iniciativa, e agora até cinco mil toneladas do gás estão sendo capturadas anualmente no reservatório de basalto sob a usina, com planos de dobrar a quantidade ainda este ano. O monitoramento indica que o rápido ritmo de mineralização do carbono se manteve.