Cotidiano

Aos 87 anos, Angel Vianna dança a sua história com o Rio de Janeiro

2016 912167617-201605262305264502.jpg_20160526.jpgRIO ? Angel Vianna leva ao palco do Espaço Sesc ?Amanhã é outro dia!?, espetáculo com episódios de sua longa trajetória como coreógrafa e professora, com direção de Norberto Presta. Sem apresentar um solo autoral desde 1997, a artista mineira de 87 anos, que passou por Salvador antes de se estabelecer no Rio cinco décadas atrás, com seu companheiro Klauss (1928-1992), celebra a relação entre seu corpo e sua dança com a cidade que escolheu para viver.

O que fez você e o Klauss (Vianna) se mudarem para o Rio, em 1965?

Nós estávamos bem em Salvador, trabalhando na Universidade Federal da Bahia (UFBA), mas em 1964 as coisas eram difíceis. Para eu me comunicar com a minha família, por exemplo, demorava um mês para chegar uma carta. O (filho) Rainer já tinha nascido e, lá, eu perdi uma gestação de 7 meses. Além disso, tinha os acontecimentos da política, e eu queria estar mais perto da família. E viemos para o Rio, para conhecer outra gente, e o Rio me encantou.

Era o ano seguinte ao golpe de 1964. Como era ser uma artista, mulher, em meio à ditadura?

Não foi fácil. Logo que chegamos ao Rio, eu e Klauss não tínhamos lugar para morar, e fomos para o apartamento de um casal procurado. O apartamento estava todo ?censurado?, telefone grampeado, não tinha água, luz… A gente vivia sempre com um pouco de medo, e ficava atento para voltar para casa. Isso está em cena a partir de pequenos traços de memória. Coisas que aconteceram e que, por menos que você queira, influenciam.

Como era a relação profissional com o Klauss?

Nós fizemos tudo juntos. Ainda em Belo Horizonte, abrimos a nossa primeira escola. Demos muita aula e estudamos muito, sozinhos. No Rio, começamos a participar de encontros que o Paschoal Carlos Magno organizava e, ali, nosso trabalho começou a aparecer. As pessoas ficavam bobas com as nossas alunas. Era tudo muito simples, mas muito bem feito. Ali tinha gente de artes plásticas, de teatro, de cinema, críticos, pessoas da literatura, uma convivência muito saudável.

De que modo o teatro influenciou a sua dança e vice-versa?

Eu e Klauss trabalhamos muito com atores. Na época era tudo muito formal, rígido, e as pessoas não paravam muito para perceber, sentir e escutar. Quando o pessoal de teatro vinha trabalhar com a gente, tinha uma descoberta muito grande do corpo, de anatomia, e isso dava muita liberdade para criar. Então apareceram a Tônia Carrero, Renata Sorrah, o José Wilker, a Marília Pêra, o (Marco) Nanini… Na nossa escola as coisas se misturavam. Não tinha aula para quem era de dança e de teatro. Era todo mundo junto, até quem tinha deficiência, todos juntos.

O que a levou a criar esse novo trabalho, junto com o Norberto?

Fui assistir a um espetáculo da Jussara Miller, que o Norberto dirigiu, e quando terminou eu pedi, brincando, que ele fizesse um para mim também. Ele levou a sério e me convidou para fazer algo sobre a minha trajetória no Rio, sobre esses 50 anos em que eu estou morando aqui.

E como foi o processo criativo?

O Norberto entrou nos meus arquivos pessoais e profissionais. E viu muitas fotos, cartas, coisas que eu tinha esquecido, e que eu tinha escrito… Conversamos muito. Ele apresentava uns vídeos e sempre perguntava o que eu sentia, o que me lembrava. Então ele organizou uma dramaturgia, um espaço para eu construir as minhas coreografias. Ele diz que é um espaço para eu jogar, para eu criar. E eu crio!

Quando você olha para 1965 e pensa no lugar que as mulheres ocupavam na sociedade e também no campo das artes, e então olha para hoje, 2016, observa que avanços?

Parece que foi simples fazer tudo o que fiz, mas não foi… Até para casar com o Klauss eu tive que esperar o consentimento do meu pai por três anos. Naquela época, numa família tradicional, não éramos nós que escolhíamos com quem casar. São coisas que a gente não fala muito. Eu tive que enfrentar muita coisa, e eu não era tão esperta, era até muito ingênua. Mas, do meu jeitinho, fui fazendo as coisas. Quando jovem as pessoas me achavam estranha porque eu só pensava em arte, na escultura, no piano, na dança, e isso era muito estranho. Hoje as coisas mudaram para melhor. Tem muita coisa para mudar, mas olhando para o meu tempo, já está melhor. As mulheres precisam continuar a fazer, se posicionar mais.

?Amanhã é outro dia!? é uma expressão usada quando algo, agora, não está muito bem. Como avalia o momento da cidade e do país, e o que espera do amanhã?

Eu penso sempre em dias melhores. Estamos vivendo um momento muito preocupante, um retrocesso, e quem diria que iríamos fazer essa volta? Quando começamos a criar, em agosto de 2015, as coisas que estão acontecendo agora já estavam no ar, e o Norberto teve muita sensibilidade para isso. Dias melhores, eu espero sempre dias melhores.