Cotidiano

Mónica Ródriguez, especialista em relações internacionais: 'O conceito de desenvolvimento está ultrapassado'

“Faço parte de uma entidade dedicada a pesquisas sobre relações entre países do Brics. Tenho estudos sobre o papel do Brasil frente a questões ambientais, internamente e no plano internacional. Tento entender quais responsabilidades são compartilhadas pelo bloco em relação ao meio ambiente.”

Conte algo que não sei.

Desenvolvimento econômico não é necessariamente oposto a sustentabilidade. Quando pensamos em desenvolvimento, temos que ter uma abordagem “holística”, capaz de considerar os aspectos sociais e ambientais envolvidos. E pensar num modo mais consciente sobre quais atividades econômicas valem a pena para a sociedade, se trazem desenvolvimento ou se estão lá para promover um modelo de consumo insustentável. Mudando-se a cultura, passa-se a valorizar a convivência dentro de uma economia mais sustentável. Embora eu também seja crítica a esse conceito de economia sustentável.

Por quê?

Porque carrega uma retórica de que a sustentabilidade deve estar em segundo plano em relação ao desenvolvimento econômico. Devemos, sim, perseguir o desenvolvimento econômico, acumular capital, mas de uma forma menos suja.

Qual conceito melhor definiria os desafios de hoje, então?

Há diferentes conceitos possíveis. Um deles é o de pós-desenvolvimento. Temos nos socializado com o conceito de desenvolvimento, mas se trata de um paradigma ultrapassado. Países se utilizam do discurso de que progridem, mas esses discursos obscurecem muitos problemas. Você tem desenvolvimento em certas áreas, mas esse desenvolvimento é construído explorando outros países. A visão atual ainda é muito economicista, centrada em acumular capital, promover consumo. No Equador, por exemplo, já há debates sobre os direitos da natureza.

O que o conceito de círculos concêntricos defendido pelo Brasil pode acrescentar a esse cenário?

Quando o Protocolo de Kyoto foi feito, os países foram divididos em dois grupos quanto às responsabilidades sobre mudanças do clima: os industrializados, ditos desenvolvidos, e basicamente todos os outros. Mas entraram em cena países em desenvolvimento, especialmente Índia e China. Então, a abordagem proposta pelo Brasil sobre os círculos concêntricos procura acabar com a dicotomia entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, propondo uma classificação mais gradual, que divide os países em três grupos principais. No centro, os mais desenvolvidos, que teriam de ter maior engajamento. Há os países em desenvolvimento com maior economia, como Brasil e China. E, no círculo mais periférico, os menos desenvolvidos, que teriam menos responsabilidades.

E como o Brasil tem lidado com suas responsabilidades?

Há muitas críticas. Retoricamente, o país tem se engajado mais. Agora, algumas demandas ambientais têm permeado o discurso oficial, mas isso ainda não se reflete em ações efetivas. A agricultura sustentável tem sofrido redução, e as políticas de exploração na indústria de combustível fóssil têm aumentado. Há uma desconexão entre o que o Brasil diz e quer fazer, com o que de fato faz.

Estudos mostram refugiados que saíram de seus países de origem por causa de problemas ambientais. Que atenção isso vem recebendo?

É difícil ainda estabelecer essa relação, mas definitivamente está sendo discutido. É um novo incentivo para pensar problemas ambientais integrados a problemas sociais, e mais uma razão para que seja uma questão central na agenda de qualquer país, para que se entenda o impacto que isso pode ter em milhões de vidas.