Mais RIO – Incomodado com as noites de sono maldormidas, o fundador da Casagrande Engenharia, João Casagrande, recebeu de uma amiga a sugestão de buscar a meditação. Ao seguir o conselho, os resultados apareceram de maneira surpreendente.
? Fiz uma série de aulas e notei que melhorou não só a qualidade do meu sono, mas também aspectos como atenção e foco. Foi tão bom que decidi levar isso ao escritório, para que meus colegas pudessem experimentar esses resultados ? conta ele, que antes dormia cerca de três horas por noite. ? Fizemos um curso de quatro dias e depois demos sequência a sessões semanais de meditação em uma das nossas salas de reunião.
Isso aconteceu há dois anos e, segundo Casagrande, desde que a prática foi incorporada à rotina do trabalho, as pessoas estão mais focadas e se mantêm calmas até nos momentos mais difíceis. Constatação esta que vem sendo replicada em várias empresas brasileiras. Inspiradas por grandes organizações globais e estudos científicos, companhias de variados perfis estão adotando a meditação como um benefício para seus funcionários.
? O impacto é muito perceptível. Mesmo nas situações mais estressantes, a equipe consegue manter uma serenidade no rosto. Não há aquele semblante de tensão ou olheiras ? relata Casagrande.
A implantação da técnica na empresa ficou a cargo de André Elkind. Ele é o nome por trás da Mantri, uma consultoria de gestão de estresse criada em 2013. Voltada ao mundo corporativo, a empresa é baseada em ferramentas como meditação, exercícios de respiração e terapias sonoras e já atendeu a cerca de dez negócios diferentes.
? A pessoa se torna menos ansiosa e mais criativa, passa a ter a mente mais clara e seu cérebro fica mais organizado e sincrônico. Consequentemente, ela se torna mais produtiva, desperdiça menos tempo com atividades que não dão resultado, se relaciona melhor com os outros colaboradores e toma melhores decisões ? lista ele sobre os benefícios.
RESULTADOS COMPROVADOS
Pesquisadora do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, Elisa Kozasa afirma que, conforme a prática ganhou adeptos no Ocidente e os resultados começaram a ser observados, grandes centros de pesquisa passaram a estudar os benefícios da meditação. Isso fez o interesse crescer progressivamente.
Segundo ela, sabe-se, por exemplo, que a técnica age positivamente sobre áreas do cérebro relacionadas a impulsos e também está ligada à cognição, além de ser um poderoso instrumento de combate à depressão.
? Passando para a saúde física, também há muitos estudos que mostram como esses exercícios são eficientes no tratamento de dores crônicas, evitando que esses quadros tragam prejuízo social ? acrescenta ela.
Como observa Elisa, as cargas de estresse cada vez mais altas fizeram com que a meditação se tornasse um recurso nobre no meio corporativo, por ser uma ferramenta capaz de evitar baixas na produtividade.
O Cambridge English, departamento da Universidade de Cambridge voltado para a certificação de proficiência em inglês no Brasil, aderiu à prática. A ideia partiu do analista de marketing Fernando Meyer, que também é instrutor de Hatha Yoga e Meditação. Há alguns meses, ele se propôs de maneira voluntária a realizar sessões de 15 minutos de exercícios de respiração e meditação para seus colegas no escritório, que fica em São Paulo. Foi um sucesso.
? As sessões ocorrem às sextas-feiras, com 15 minutos de duração. Os dez primeiros são para ?desligar as pessoas do ambiente de trabalho?. Passo técnicas básicas de respiração (pranayamas), de movimentos (asanas) e exercícios de concentração, como tatear uma pedra (com os olhos fechados). Tudo para levá-los a um ?estado de presença? ? relata ele. ? Nos últimos cinco minutos, acontece a meditação em si. Nessa etapa, os participantes já estão mais presentes e começam a meditar. Conduzo o exercício através da fala, ?narrando? cenários para que não se percam ou coloco um barulho de chuva ou uso um sininho para que foquem no barulho.
PARA BARRAR O ESTRESSE
Algo semelhante aconteceu na incorporadora Gamaro, também em São Paulo. O diretor de incorporação da empresa, Vinícius Amato, também é professor de ioga e levou a meditação para a empresa há cerca de um ano, para melhorar a performance da equipe.
? Estabelecemos uma rotina semanal de ioga e meditação e, duas vezes por ano, promovemos palestras para que as pessoas conheçam melhor os benefícios ? conta ele.
Os encontros semanais duram uma hora e meia e são estrategicamente feitos às quartas-feiras, para atingir em cheio o pico de estresse no meio da semana. De acordo com ele, a maior prova do benefício da atividade vem justamente da falta dela:
? É muito comum alguém que não conseguiu participar de uma sessão relatar a diferença sentida ao longo da semana. Em geral, as pessoas observam aumento na carga de estresse e na dificuldade de concentração ? afirma Amato.
De acordo com Rubens Tavares, coordenador do Núcleo Avançado de Saúde, Ciência e Espiritualidade da Universidade Federal de Minas Gerais, existem muitos tipos de meditação, sendo a maioria com origem em antigas tradições religiosas e espirituais. Uma boa parte delas praticante instrui seus adeptos a tornarem-se conscientes de pensamentos e sentimentos e observá-los de forma livre. Neste sentido, o interesse das pessoas cresce na medida em que encontram nessas técnicas uma alternativa interessante para alcançar qualidade de vida.
? Os próprios pacientes demandam e desejam intervenções complementares. Não se defende o abandono da medicina tradicional, mas há estudos científicos cada vez mais sérios sobre o uso das terapias complementares concomitantemente ao tratamento convencional. A saúde não pode ser vista puramente como a ausência de doença, mas sim como um estado de bem-estar biopsicossocial, que proporcione qualidade de vida ? comenta ele.
Para quem está interessado na técnica, a neurocientista e pesquisadora da Unicamp Gabriela Spagnol alerta que a meditação deve ser adotada com seriedade, não cabendo tratá-la como algo menor ou um paliativo.
? Se a terapia escolhida exigir um treinamento complexo e acompanhamento, reduz-se a probabilidade de sustentação e autonomia do funcionário para praticar em seu cotidiano ? alerta ela. ? Por isso, o ideal é que o treinamento inicial forneça os conceitos de modo simples, possibilitando que se insira na rotina de forma fácil e efetiva, e que exista motivação através da formação de equipes ou grupos para apoio mútuo e compartilhamento de experiências.