SÃO PAULO – A situação do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte já era descrita como caótica em maio de 2015, como mostra relatório de uma audiência pública realizada na Câmara dos Deputados. Na época, a então secretária estadual de Segurança Pública, Karina Gonçalves, e o juiz da Vara de Execuções de Natal, Henrique Baltazar dos Santos, citavam deficiência de 4 mil vagas, desrespeito a qualquer direito fundamental dos detentos e presos de facções criminosas comandando crimes de dentro das prisões.
Já Dinorá Deodato, então diretora da Penitenciária de Alcaçuz, descreveu na audiência um cenário que é realidade até hoje, como mostrou o GLOBO ontem: presos transitando livremente na unidade onde uma rebelião deixou 26 mortos no último fim de semana.
Essa situação pouco mudou no sistema prisional do Rio Grande do Norte, segundo o juiz Baltazar Santos relatou ontem, quase dois anos após sua manifestação na audiência pública.
-Da época desse depoimento à CPI até hoje, as poucas mudanças que aconteceram foram pontuais. Pode ter tido algumas melhorias em alguns pontos, mas, no geral, o sistema piorou porque nós temos muito mais presos do que tínhamos. As polícias civil e militar estão trabalhando, estão prendendo bandidos. E o número de crimes aumentou, principalmente os violentos – disse ele na tarde desta terça-feira.
A audiência pública ocorreu a pedido de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o sistema penitenciário do país. A discussão pública tinha como foco uma rebelião que deixou , em março de 2015, um rastro de destruição nas unidades prisionais do Rio Grande do Norte.
Foi esse cenário que a secretária Karina Gonçalves descreveu ao defender a necessidade de criar vagas nas penitenciárias e de adotar bloqueadores de celulares, porque presos comandavam de dentro da cadeia crimes que eram cometidos no estado. Á CPI, ela disse que 16 das 33 unidades prisionais do estado tinham sido depredadas na rebelião de março de 2015. Segundo a secretária, que deixou o cargo um depois, algumas das unidades ficaram completamente destruídas.
Foi o caso de Alcaçuz, segundo a diretora da unidade. ‘Não tinha controle nenhum depois da rebelião, e até agora (maio de 2015) eles continuam nessa situação. Enquanto não reformar a unidade, eles não vão retornar para as celas. Elas foram todas destruídas. As grades foram totalmente destruídas’, disse ela, segundo o relatório final da CPI, de agosto de 2015.
Na época, o estado enfrentava uma queda de braço com facções criminosas que atuam em presídios. Segundo o juiz Henrique Santos, em 2014 uma operação de 2014 do Ministério Público tinha identificado 140 integrantes de dois grupos criminosos que atuavam na cidade de Nísia Floresta, onde fica a penitenciária de Alcaçuz. Como reação, as facções teriam resolvido mostrar força e passaram a comandar os presídios.
O juiz também relatou durante a audiência pública que, com a lotação nos presídios, no Rio Grande do Norte 30 presos chegavam a ocupar o espaço de dez, fazendo com que o estado perdesse o controle sobre o sistema operacional. Como consequência, ele citou uma estrutura ‘abusiva’, com desrespeito a direitos de agentes penitenciários, presos e seus familiares.
‘A visita íntima e a visita social são feitas juntas. Há preso mantendo relações sexuais perto de outro que está recebendo sua família, separados somente por um lençol”, descreveu o juiz, após afirmar que visitantes tem que entrar no pavilhão onde os presos ficam porque não há espaço específico para os detentos receberem familiares.
É do juiz também a explicação de fugas que ocorrem em Alcaçuz. Ele detalhou que, originalmente, a unidade prisional foi construída para ser um uma penitenciária agrícola. Assim, apesar de ter sido construída sobre uma duna, não teria sido construída uma base adequada no solo, com metal e cimento. ‘Dessa forma, com uma hélice de ventilador é possível cavar túneis enormes (o que já ocorreu diversas vezes), menciona o relatório final da CPI da Câmara sobre outro trecho do relato do juiz.