MARIA DA PENHA NÃO É SOBRE OS HOMENS
Cascavel e Paraná - Em nome da igualdade enquanto princípio e direito fundamental disseminado pela Constituição Federal de 1988, surgem propostas de lei para extensão da aplicação da Lei Maria da Penha aos homens em situação de violência doméstica. Contudo, há uma diferença entre igualdade e simetria. A legislação em debate não trata de simetria formal, nem é um manual sobre brigas de casal, mas uma lei de gênero para enfrentar o sexismo enquanto sistema de poder. É o sistema que a lei combate, não o sexo que agride ou apanha. Incluir os homens, nesse sentido, não seria um avanço, mas um apagamento histórico ao afirmar que a violência patriarcal é um fenômeno neutro.
Despolitização e Inversão de Análise
A despolitização das causas das mulheres parte da inversão do eixo de análise em que a exceção se torna regra. Sim, as mulheres também podem ser sexistas, porque foram educadas no mesmo sistema. Homens podem ser vítimas de agressões domésticas, também. Mas, isso não é violência de gênero, mas violência interpessoal que já tem respaldo no Código Penal ou na própria Lei Maria da Penha, em sua parte processual.
A violência feminina existe dada a lógica de compreensão de manutenção do amor pelo controle, até porque não existe um “vírus exclusivo dos homens”. Contudo, o caminho não está na inclusão dos homens na legislação de gênero, mas no desmonte do modelo de poder que ensina a amar com violência. Porém, essa violência doméstica não se desvincula de outras formas de violência patriarcal, a exemplo da punição moral e legal das mães quando não cumprem o ideal de amor absoluto e da violência contra crianças – ainda vistas como propriedade dos seus genitores.
Cuidado e a Família Moderna
Certamente, é imprescindível a participação igual entre homens e mulheres na criação dos filhos. O próprio código civil impõe isso como dever decorrente do poder familiar. No entanto, há que se manter ressalva ao reforço à “família margarina” como padrão moral, porque isto se qualifica mais como instrumento de controle moral do que preocupação real do bem-estar infantil (cada vez menor em uma sociedade asséptica com crianças).
O que “destrói” o lar não é a monoparentalidade (ou seja, ser pai ou mãe solo), mas a ausência do amor e de afeto. A presença do cuidado, da segurança e da escuta é um ato de vontade e não de sangue, podendo se estruturar pelas mais diferentes concepções familiares ou comunitárias – mesmo que não caibam na moldura legal.
O problema se complexifica na medida em que o cuidado ainda está se desenhando como política pública, mas nem chegou na fase de engatinhar. Faltam creches, licenças igualitárias, redistribuição e remuneração de tempo de cuidado ao passo que o sistema jurídico ainda mantém a construção legal da mãe culpada. A exemplo disso, tipos penais podem ser mais severos às “más mães” do que aos “maus pais”, vide os crimes e condenações em relação ao aborto, infanticídio, abandono de incapaz, maus-tratos e até omissão imprópria (quando a culpa pelo ato do genitor recai sobre a genitora pela “falha” no dever de vigiar). Como ensinou Angela Davis: A mãe que não cuida é “má”; o pai que abandona é “fraco”.
Cultura Patriarcal e a Desconstrução do Amor
Em suma, a cultura patriarcal ensinou a amar como dominação. Porém, amar verdadeiramente exige desaprender a dominação e essa ideia muda tudo. O problema não é quem a lei protege — é o modelo de amor que a sociedade legitima. Enquanto o amor for controle, haverá violência. Enquanto a maternidade for medida de pureza, haverá culpa. Enquanto a igualdade for confundida com neutralidade, haverá injustiça.
Dra. Giovanna Back Franco
Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito