Visto do alto, um barco de Oito Com no ápice do seu movimento, quando os atletas levantam as palamentas e preparam a próxima remada, lembra uma espinha de peixe. Não existe, no remo, guarnição mais veloz ? é como se todas as outras parecessem impostoras na água quando comparadas a um legítimo animal marinho em seu habitat natural. remo
Coincidência ou não, há uma regra no universo do remo ? obviamente não escrita, já que a tradição é um fim em si mesma: seja em campeonatos estaduais ou em provas internacionais, não importa de qual faixa etária, o Oito Com sempre fecha o calendário de competições, como um “grand finale” que se exige de todo espetáculo. Assim será na Olimpíada do Rio, neste sábado, com as finais feminina e masculina acontecendo a partir das 11h.
Se o assunto é espetáculo, os americanos estão um passo à frente dos demais. Entre as mulheres, o favoritismo absoluto é da guarnição dos EUA, bicampeã olímpica (Pequim-2008 e Londres-2012) e invicta há impressionantes dez anos. Não se trata de mero acaso, mas de um roteiro cuidadosamente engendrado: antes de formar o Oito Com olímpico, todas as oito remadoras americanas tiveram resultados expressivos em Copas do Mundo e até Mundiais em barcos menores.
Amanda Elmore, por exemplo, foi campeã mundial em 2015 no Skiff Quádruplo, que leva quatro remadores. Eleanor Logan, ouro em Londres pelo Oito Com, disputou o último Mundial no Dois Sem e foi bronze.
OBSESSÃO AMERICANA
Quando chegam os Jogos Olímpicos, porém, tudo é diferente: as remadoras “sobem” para o Oito Com, e levam a prova como único foco – ao contrário de guarnições adversárias na final, como Nova Zelândia e Romênia, que aproveitaram no Oito Com remadoras que competiram também em outros barcos nesta Olimpíada. Maior medalhista do remo na história das Olimpíadas, os EUA ainda não subiram ao pódio uma única vez neste esporte no Rio. É como se tivessem desprezado as outras categorias. A obsessão é com o grand finale.
? É uma preferência dos americanos. Eles levam em conta não só as chances de ganhar, mas também o histórico. Às vezes eles usam até os Mundias como experiência, para chegarem com o melhor barco de Oito Com na Olimpíada ? avalia Alexandre Xoxô, técnico de remo do Botafogo.
Xoxô competiu no Pan de Santo Domingo, em 2003, como timoneiro do barco de Oito Com brasileiro, quarto colocado na decisão vencida pelos EUA. Curiosamente, ao mesmo tempo em que surgiu a dinastia feminina, a masculina entrou em ocaso. Donos de 15 medalhas de ouro olímpicas no Oito Com, a primeira delas em 1900, os homens dos EUA não sabem o que é um título mundial desde 2005. O último ouro em Olimpíadas veio em Atenas-2004; em Londres, sequer subiram ao pódio.
? O barco favorito no masculino é o da Alemanha ? afirma Xoxô, referindo-se aos atuais bicampeões olímpicos na categoria ? O Brasil não tem um histórico grande nessa prova, e o motivo é grana. É caro manter um barco com tantos remadores. Fica mais em conta manter vários barcos menores ? completa.
TIMONEIRO, O JÓQUEI DO CAVALO
O nome “Oito Com” explicita tanto o número de remadores (8) quanto a presença de um membro especial, que senta na parte traseira do barco e pode passar quase despercebido: o timoneiro. Único componente do barco que não rema, sua função é usar o leme para dar direção ao barco e também ditar o ritmo das remadas – tarefa delicada, já que cada componente fica apenas com uma palamenta, ou seja, rema só de um lado. A harmonia não se resume à tecnica de competição, mas também à cabeça dos remadores.
? O timoneiro precisa conhecer os atletas, manter uma amizade, porque é importante que eles confiem plenamente nas orientações que vão receber. É preciso estar atento ao emocional da guarnição, ter cuidado com a maneira como vai falar ? explica Xoxô ? É como se ele fosse o jóquei em um cavalo. Às vezes ele pode segurar a rédea, depois soltar mais. O que ele busca é entrar em sincronia, só que o cavalo no caso é um barco com oito remadores. Conheça todos os esportes olímpicos da Rio-2016
Cada timoneiro usa um pequeno microfone, para que suas orientações ecoem em caixas de som instaladas no convés e sejam ouvidas por todos os remadores. É preciso adaptar não só o peso – que não pode passar de 55 kg – mas também o comportamento às necessidades da respectiva equipe. O Oito Com masculino da Grã Bretanha, por exemplo, chega pressionado para repetir no Rio o ouro conquistado nos últimos dois Mundiais. O timoneiro britânico, Phelan Hill, fez questão de mandar a pressão para longe na segunda-feira, após o barco britânico vencer a primeira bateria olímpica.
? Nunca pensamos no histórico da Grã Bretanha na prova. Tudo o que pensamos é na próxima regata. Há muitos adversários fortes, os alemães provavelmente continuam sendo os favoritos ? afirmou Hill.
DECISÃO NO SINGLE SKIFF
Já entre as mulheres, onde o favoritismo é todo dos EUA, as remadoras britânicas do Oito Com não se incomodam em tratar a si mesmas como “sassy squad”, algo como “time atrevido”. A timoneira Zoe De Toledo explicou na segunda-feira que se trata, mais do que autoconfiança, de uma forma de manter grupo unido.
? Fran (Houghton) entrou no nosso grupo e estava muito quieta no início. Eu não a conhecia muito bem, mas sabia que ela era experiente e sabia o que estava fazendo. De repente, ela começou a se abrir e ficar bastante “atrevida”. É uma brincadeira nossa, é divertido ? explicou De Toledo.
Além do Oito Com, outras finais que acontecem neste sábado na Lagoa são as do Single Skiff masculino e feminino. Entre as mulheres, o nome mais badalado é o da australiana Kim Brennan, que carrega a responsabilidade de tentar o primeiro (e único) ouro de seu país no remo nesta Olimpíada.
Já a final masculina promete uma disputa emocionante entre o neozelandês Mahé Drysdale, o tcheco Ondrej Synek e o croata Damir Martian. Drysdale é o atual bicampeão olímpico, mas foi batido nos últimos dois Mundiais por Synek, que acabou superado de forma surpreendente por Martian no último Campeonato Europeu. Os três competem em raias lado ao lado, a partir das 10h30m. Os recordes dos Jogos Olímpicos Rio-2016