RIO ? Os ingressos para a fase final da Olimpíada estão dando dores de cabeça para os torcedores. Sorteado para comprar três ingressos para as quartas de final do basquete masculino, o fiscal da Receita Federal Arquimedes Neves se animou com a possibilidade de assistir à seleção dos Estados Unidos. Ao consultar a tabela, comprou um lote de ingressos para quarta-feira, dia 17, dando prioridade para a partida das 11h, que tinha o ganhador do grupo A, no caso o da seleção americana, com o quarto colocado do Grupo B. Nesta segunda-feira, ele soube por acaso, através de uma mensagem no Google, que o horário da partida, que como ele previu seria disputada pelo ?Dream Team? americano, teria passado para as 22h30m.
? Não há uma confirmação oficial sobre a mudança de horário na página do Rio-2016 ou da Federação Internacional de Basquete (FIBA). Se houve a troca, não sei qual partida está programada para o horário que comprei. Me interessava assistir à seleção dos EUA e, agora, vai ser difícil comprar outro ingresso ? reclama Neves, acrescentando que para o horário das 22h30m não há mais bilhetes disponíveis, enquanto que, para as 11h, ainda é possível comprar entradas.
A jornalista Flávia Ferreira, por sua vez, comprou ingressos para a partida válida pelas quartas de final do vôlei feminino, que acontece nesta terça-feira, sem saber ao certo qual seriam as seleções calssificadas. No site da federação internacional, havia um indicativo de que o vencedor do A1 ? Brasil ou Rússia,dependendo de quem ganhasse no domingo, jogaria com o B4 (China), às 10h. No site do Google, diz Flávia, também anunciavam o jogo da China às 10h com uma seleção a definir, mas o cruzamento é sempre B4 x A1. Como a nossa seleção venceu, o certo seria ser Brasil e China, nesta terça, às 10h. Só que quando as brasileiras venceram, foi anunciado oficialmente que o jogo passaria para as 22h15m, e não às 10h, como a federação indicava.
? Comemorei duplamente quando ganhamos ontem (domingo) achando que o Brasil jogaria pela manhã. Fiquei frustrada, mas vou assim mesmo. Me programei para isso, né? ? lamentou Flávia, acrescentando que acha muito difícil que queiram o ingresso para ver outra seleção que não o Brasil pelos R$ 250 que ela pagou.
Arquimedes Neves considera uma falta de respeito com o consumidor que se planejou e comprou os ingressos com antecedência, seguindo, inclusive, a orientação do próprio Comitê Olímpico.
? Ao invés de privilegiar quem se planejou, estão priorizando quem deixa tudo para cima da hora e que vai ter certeza qual jogo irá assistir.Caso eu resolva não ir ao jogo, não vou conseguir revender oficialmente os meus ingressos, pois o prazo hábil era de uma semana antes da partida. Ainda vou ter que arcar com o trabalho e, quem sabe até o prejuízo, de vender em cima da hora o meu ingresso para outra pessoa.
E tem mais: Neves lembra que nem só os brasileiros estão saindo prejudicados. Muitos torcedores estrangeiros também compraram com antecedência os ingressos para ver suas seleções jogarem, caso dos próprios americanos, croatas, espanhóis e australianos. Segundo ele, colegas tiveram o mesmo problema com o jogo do Brasil no futebol masculino.
Maria Inês Dolci, coordenadora Institucional da Proteste ? Associação de Consumidores, afirma que, como aconteceu na Copa do Mundo, o Código de Defesa do Consumidor está sendo ?rasgado?, pois o direito à informação não está sendo respeitado:
? Embora o Comitê Rio 2016 tenha a prerrogativa de modificar datas, horários ou locais dos eventos oficiais, como determina a Lei 13.284, que dispõe sobre as regras de realização dos Jogos no Brasil, a questão primordial, que é o direito da informação, está sendo deixado de lado. Se mudou as regras do jogo, tem que fornecer alternativas para o consumidor. Vão ter que adequar a situação e informar tais opções rapidamente, para que o torcedor possa fazer valer seus direitos. Houve uma expectativa que não está sendo cumprida.
O que não pode, ressalta Maria Inês, é o consumidor arcar com o prejuízo, já que a mudança não foi informada em tempo hábil para que este revenda seus ingressos caso não possa comparecer no novo horário ou tenha perdido interesse pela partida.
Advogado do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Christian Printes reforça que, por mais que haja a informação no site de que o horário do evento pode sofrer alterações, a mudança do horário de forma que impossibilite o consumidor de comparecer na data e hora pré-estabelecidas geram uma frustação específica àqueles que adequaram toda sua rotina para conseguir desfrutar do evento escolhido, geralmente com base nos horários disponíveis, pois não se sabia ao certo quem iria passar para as quartas de final, semifinais ou finais.
Além disso, diz o advogado do Idec, apesar do regulamento interno da Rio-2016 exigir que o cancelamento da compra ou o direito de arrependimento seja feito em até 48 horas antes do evento e de forma escrita, se a própria organização não cumpre com esta regra e, abruptamente, muda o horário do jogo, ela não poderá exigir que esta regra seja cumprida, devendo, desta forma, arcar com a devolução dos valores aos consumidores também.
Deste modo, ressalta Printes, com base no artigo 35 do CDC, o consumidor poderá requerer ao Rio-2016 o reembolso de valores:
? A organização da Olimpíada não pode repassar a responsabilidade de revenda do ingresso ao consumidor nestes casos em específico, ainda que tenha dedicado espaço a esse tipo de transação, pois estaria transferindo o risco do negócio ao consumidor que não concordou com a alteração do horário do evento. Isso leva a um total desequilíbrio e não cumpre com a boa-fé objetiva que deve ser norteadora das relações de consumo.
Para aqueles que se sentiram prejudicados, a coordenadora da Proteste aconselha que reclamem junto aos órgãos de defesa do consumidor e entrem em contato com a Ouvidoria do Comitê Olímpico Internacional (COI) para que tenham uma solução para suas demandas. Printes reforça a orientação de Maria Inês afirmando que o Procon Estadual tem tentado intermediar questões como a citada em até 72 horas.
Se, no entanto, nem mesmo com a atuação de um órgão de defesa do consumidor consiga a resolução do problema, o consumidor poderá procurar o Judiciário para tentar reaver o valor do ingresso através de um Juizado Especial.
Procurado, o Comitê Rio 2016 não havia se manifestado até a publicação da matéria.