RIO ? Repetida durante toda a campanha pelo candidato do PRB à prefeitura do Rio, Marcelo Crivella, a separação entre a vida pública e a Igreja Universal ? da qual ele é bispo licenciado ? nem sempre foi uma regra em sua atuação no Senado. Seus funcionários de gabinete, discursos e até o uso da cota para o exercício da atividade parlamentar indicam pontos de proximidade entre os dois Crivellas.
Um dos casos que chamam a atenção refere-se ao maior gasto da cota parlamentar do senador com alimentação, desde que deixou o Ministério da Pesca. Num domingo, 18 de outubro de 2015, ele pagou uma conta de R$ 1.184,25 na Churrascaria Zelão, localizada no centro de Gramado, na Serra Gaúcha. O valor seria suficiente para pagar dez rodízios, com direito a pelo menos um refrigerante por pessoa. Nesse mesmo dia, Crivella participou de um encontro de renovação da fé da Igreja Universal na cidade.
Crivella, através de sua assessoria de imprensa, não explicou o motivo de um valor tão alto para a refeição. Mas justificou o uso da cota parlamentar alegando que “foi convidado para discutir com artistas a política de direitos autorais no Brasil” no Festival Nacional da Música. E afirmou que, “uma vez em Gramado, e cumprida a agenda, ele foi a um culto da igreja que frequenta”.
De acordo com a programação do site oficial do festival, Crivella participou no domingo,18, dia em que esteve na churrascaria, de um show de música gospel. Na segunda, 19, ele foi mediador de um debate sobre música digital no segmento gospel. Não há registro de pagamento de passagens ou hospedagem para o senador com a cota parlamentar, que ele diz que foram pagas pela organização do evento. Há, porém, o registro de um aluguel de carro em Porto Alegre, de pouco mais de R$ 580.
Pelas regras de uso da verba indenizatória do Senado, os parlamentares podem ser ressarcidos pelas despesas de alimentação e transporte desde que estejam cumprindo “compromisso de natureza política, funcional ou de representação parlamentar, ressalvados os de caráter eleitoral”, diz trecho da norma estabelecida pela primeira-secretaria da Casa, que regulamenta o uso da cota congressual.
NO GABINETE: ?EU SOU A UNIVERSAL?
Crivella está desde o dia 1º de outubro atuando novamente como senador e conciliando suas atividades com as de campanha. Tem a seu dispor um escritório de apoio, com 34 pessoas, em cargos comissionados. Entre elas, a que possui o maior salário (R$ 15,6 mil brutos no último vencimento) é Sandra Pereira Ramos da Silva. Ela é mulher do bispo da Igreja Universal Inaldo Silva, que, na eleição deste ano, conseguiu uma vaga de vereador na Câmara do Rio. Em sua página no Facebook, Sandra diz trabalhar na empresa “Eu sou a Universal”.
Outra com bastante proximidade com o meio evangélico é Eliana Ovalle. Ela é apresentadora da Rádio Record e, recentemente, publicou um livro com a mulher de Crivella, Sylvia Jane. Eliana é integrante da Academia Evangélica de Letras do Brasil. A assessoria de imprensa do senador disse, porém, que ela se apresenta como judia.
Também estão lotadas no escritório de apoio Elida de Moraes Teixeira Adão e Patrícia Henglster. Em 2010 e 2011, elas receberam moções de vereadores do PRB na Câmara do Rio pelo trabalho na divulgação do Evangelho. Outros exemplos são Pedro Braconnot, integrante da banda gospel Rebanhão, e Itagibe Junior, presbítero de uma igreja evangélica no Rio, que se candidatou sem sucesso à vereador.
Em nota, Crivella disse que seu “critério de nomeação é técnico”. E que “os assessores citados são profissionais qualificados, que cumprem seu dever”. O senador citou outros funcionários de outras religiões: “Margarete, Bona, Mauricio, Cardoso, Jaciara, Ana, Eliana (Ovalle que se apresenta como judia), José Rodrigues são apenas alguns exemplos de católicos, que são maioria, e de outras religiões. Também não foram nomeados por critério religioso”, alegou.
LUTA POR SUBSTITUTIVO NA LEI DA HOMOFOBIA
Crivella não tem uma quantidade muito grande de discursos disponível no site do Senado, mas é possível ver que uma de suas maiores lutas foi pela inclusão de um substitutivo no projeto de lei que procurava criminalizar a homofobia, mas foi arquivado em 2015. A intenção principal do proposta era garantir o direito de cristãos se manifestarem contra a homossexualidade.
“E que a lei não tente, Sr. Presidente, porque é garantido pela Constituição brasileira o direito de culto, a liberdade religiosa, arrancar da Bíblia palavra escrita por Moisés que nos adverte, há milênios, que o homem que deita com outro homem como se mulher fosse comete diante dos olhos de Deus uma abominação”, disse Crivella no Senado.
Em nota, o candidato disse agora: “O que está escrito na Bíblia os padres, pastores e cristãos em geral, inclusive o Papa, têm o direito de dizer. O que eles não têm direito é de não amar e respeitar a todos. Como prefeito, vou combater a intolerância e reforçar a Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual”.
Outro ponto combatido por Crivella no púlpito da Casa foi a chamada ideologia de gênero. “Deus criou uma Eva. As civilizações que têm cinco, seis, sete, oito Evas, como na África, vez ou outra, são varridas por endemias, como a AIDS, porque há uma promiscuidade enorme. Também não foi Ivo. Foi Eva, com sua característica feminina, e eles se completavam… Então, o pai veste o menino, leva o menino para o futebol, leva o menino à bravura. E a mãe leva sua filha à ternura e à coragem também, mas às coisas de menina, às bonecas, ao ambiente doméstico, à cozinha, à poesia”.
DISCURSO EM DEFESA DA UNIVERSAL
Em 2005, o senador chegou a fazer um discurso saindo em defesa da Igreja Universal, no caso envolvendo a apreensão de R$ 10 milhões pela Polícia Federal em um jatinho com o ex-deputado federal João Batista Ramos da Silva: “Senadores, naquele mesmo dia, não como senador, mas como membro e participante da Igreja Universal do Reino de Deus, eu disse que se tratava de ofertas, de doações e de que essa estratégia era adotada porque não havia outra solução”.
Crivella alega que foi “uma oportunidade única em 14 anos”. “O senador defendia uma instituição de uma intervenção indevida do Estado. A Justiça comprovou que ele estava certo e mandou devolver o dinheiro apreendido. Ele também defendeu a Igreja Católica, por exemplo, quando apresentou projeto para que a Lei Rouanet alcançasse a restauração de igrejas históricas. O senador defende as causas justas, independentemente da religião”, disse em nota.
Crivella, aliás, foi o autor da PEC 133/2015, já aprovada nas duas passagens pelo plenário do Senado, que isenta as igrejas de pagamento de IPTU, mesmo sendo o imóvel alugado. O senador argumenta que a ideia surgiu de um pleito de todas as denominações religiosas.
Em seu primeiro discurso registrado como senador, no dia 19 de fevereiro de 2003, o hoje candidato à prefeitura do Rio destacava algo que vem ressaltando na campanha para destacar seu lado técnico: a formação como engenheiro. Na época, porém, Crivella deu ênfase ao que mais construiu: templos. “Minha formação como engenheiro civil permitiu-me ajudar a erguer templos evangélicos no Brasil e no exterior, contribuindo para a disseminação da fé cristã”.
Em nota, o senador admitiu que só trabalhou como engenheiro na Unitemple, empresa de construção da Igreja Universal, e na Emop (Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio), como diretor de Planejamento.