Durante o trilho dos caminhos escolhidos, pode haver oportunidades em que o desejo seja o retorno pelos mesmos passos já realizados, até mesmo por uma questão de segurança. Por vezes, não só é mais cômodo, mas é mais prudente desistir de desbravar o desconhecido, especialmente se a dor dos próximos passos pode ecoar pelo futuro. Nesse sentido, a escolha de uma família também não é necessariamente o “para sempre”.
Assim, os laços conjugais podem ser desfeitos a qualquer momento, por um arrependimento da realização de um contrato pela comunhão plena de vida, na medida em que a plenitude se esvai. Dessa forma, o divórcio, em certa medida, é uma desistência/rescisão do casamento, extinguindo os efeitos patrimoniais e afetivos futuros. Atualmente, inclusive, entendido como direito potestativo, isto é, incontroverso, que não cabe discussões. Por certo que as questões emocionais ainda levam tempo para cicatrizar, mas, de modo geral, não cabem na esfera jurídica.
Contudo, nem todos os laços comportam arrependimento a qualquer momento, principalmente quando voltados a resguardar vulnerabilidades. Na filiação, por exemplo, não é possível simplesmente decidir desistir de ser pai ou mãe, desfazendo qualquer vínculo jurídico. Embora seja possível a cessão da guarda a outra pessoa, não se transmite todo o complexo de direitos e deveres sobre um menor por ato unilateral dos pais, afinal de contas, o direito da criança pelo desenvolvimento seguro e saudável no seio familiar deve ser posto em prioridade.
Isso decorre do chamado “poder familiar” enquanto autoridade de ambos os pais sobre os filhos menores, formado por uma gama de obrigações e alguns direitos, como o de convivência. Mesmo os pais que não estejam em relação conjugal exercem, de modo geral, o poder familiar. A perda desse poder se dá em situações de abandono, entrega irregular para adoção, ou agressão, quando não for mais possível a restituição dos vínculos familiares (em prioridade da família natural).
Com a destituição do poder familiar, o menor pode ser entregue à adoção pelas autoridades, passando a figurar no Cadastro Nacional de Adoção. Também é possível que seja entregue pela própria genitora, por ato de vontade, enquanto direito de não exercer a maternidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a entrega legal do recém-nascido por ato de desistência da mãe sobre o seu poder familiar. Mediante processo judicial e acompanhamento de equipe técnica, a criança pode ser entregue às autoridades sem ensejar qualquer crime ou abandono ou mesmo maus tratos, sendo que a mãe pode desistir de sua decisão de entrega até 10 dias depois da sentença judicial que a efetivou.
No processo de adoção, é possível o exercício do direito de desistência no prosseguimento do procedimento durante o estágio de convivência ou já com a guarda provisória, o que não impede, porém, eventual pleito de indenização por danos morais à criança pelo abalo psicológico envolvido no arrependimento. Não que seja errado mudar o rumo escolhido, mas é preciso ser responsável pelas relações cativadas, especialmente dos corações mais puros como os infantis, que ainda acreditam no amor sem ressalvas.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas