Esportes

No Equador, jogadores viram políticos e vão dos campos ao parlamento

QUITO – Não é raro ver feitos esportivos renderem dividendos políticos. No Equador, o caso mais recente tem como personagens os integrantes do time que, em 2001, venceu o Brasil pela primeira vez na história e conduziu a seleção local a sua primeira Copa do Mundo. De tão popular, o elenco “produziu” um ministro e três parlamentares. Ao menos um deles, Agustín Delgado, maior artilheiro da história da seleção, é pivô de imensa polêmica.

TABELA: Jogos e classificação da Sul-Americana

O presidente Rafael Correa cultivou a relação com alguns dos mais populares jogadores do time que bateu o Brasil por 1 a 0, gol do próprio Delgado. Em 2011, o presidente da República nomeou Ministro do Esporte o ex-goleiro Cevallos. Dois anos depois, a Alianza País, partido liderado por Correa, inscreveu o atacante, o ex-lateral Ulises de la Cruz e o ex-defensor Ivan Hurtado em sua lista de candidatos nas eleições legislativas. Bem mais popular à época do que é hoje, o presidente atraiu votos, mas contou com os ídolos para garantir maioria absoluta e controle total da Assembleia Nacional: o partido tem 100 das 137 cadeiras.

Talvez seja como vocês, no Brasil, com Tiririca

– Há uma tradição de se eleger artistas e famosos no Equador. No fundo, as pessoas não sabem bem qual a função do assembleísta. É algo que só vai mudar com consciência política – disse Marcelo Espinel, que comanda o Observatório Legislativo, órgão que fiscaliza atividades legislativas no país. – Talvez seja como vocês, no Brasil, com Tiririca.

Hurtado logo renunciou ao mandato para se candidatar à prefeitura de Esmeraldas, sua cidade, e de la Cruz é considerado muito discreto no parlamento. Já Delgado é um caso à parte. Dos tempos de jogador, carregava a memória dos 31 gols, recorde na história da seleção, e de brigas dentro e fora de campo. Depois, se viu diante de uma dívida de US$ 70 mil em impostos, admitida em 2011. Mas tornou-se centro das atenções em 2014, já como legislador. Ao se dirigir à tribuna do plenário, levou papéis com um discurso preparado previamente. Mas chocou por sua dificuldade para ler. Gaguejou, tropeçou nas palavras e virou motivo de ironia nacional. Mas também de indignação de analistas políticos.

Foi no mesmo plenário da Assembleia que Delgado recebeu a reportagem do GLOBO. Diz que suas filhas sofreram bullying e se vê alvo de discriminação pela origem pobre e pela cor da pele.

– As pessoas que não querem transformar o esporte, que não querem oferecer aos jovens preparo e oportunidades, preferem dizer que você não tem capacidade. Assim continuam se aproveitando dos mais pobres – diz o ex-atacante, nascido e criado no Valle del Chota, uma das áreas mais carentes do Equador.

– Onde eu vivia, só havia educação privada. Com o presidente atual melhorou muito. Sou de uma família de sete irmãos. Os mais velhos haviam saído de casa. Fiquei eu e mais um. O dinheiro dava para meu irmão estudar. Eu cuidava de vacas, ganhava dinheiro para ajudar minha mãe.

Eliminatórias da Copa de 2018 (em 31 de agosto)

O Observatório Legislativo informou que Delgado tem 30% de faltas em votações e só um projeto apresentado, para permitir propaganda de cerveja em eventos esportivos.

– Tenho personalidade para lidar com o que dizem. Estou trabalhando para mudar a constituição, melhorar o esporte, quero trabalho integral e educação. As crianças precisam ser preparadas não só para serem esportistas, mas também no intelecto. Integro a comissão que estuda uma nova lei do esporte – diz Delgado que, após as contestações sobre sua escolaridade, informou estar fazendo um curso universitário à distância.

– O episódio com Delgado gerou muita polêmica. A imagem da Assembleia já é ruim. Muita gente entende que deva ser dissolvida, já que o controle exercido pelo presidente da república é total – diz Espinel.

Polêmicas à parte, Delgado tem seu lugar na história do futebol equatoriano. E o confronto de 2001, contra o Brasil, tem grande parte nesta história. A partir dali, com a classificação encaminhada para a Copa do Mundo de 2002, a primeira da história do país, parte dos complexos se foram. O país deixou de se enxergar como sparring em confrontos com a seleção brasileira.

– Antes, se perdíamos, todos achavam normal. Primeiro, precisamos convencer a todos, até ao nosso povo, que era possível vencer. O jogador equatoriano, aos poucos, entendeu que precisava e que podia ganhar em seu campo de qualquer equipe. Muitos equatorianos iam ao estádio de camisa do Brasil. Hoje, estão convencidos de que é possível enfrentar a todos os rivais – recorda Delgado. – Aquele gol é uma grande lembrança para mim. O Brasil tinha Romário, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho… Realizamos um sonho que, para muitos, era impossível. E abrimos a brecha para outro sonho, que foi chegar à Copa do Mundo.

Delgado entende que a sua geração ajudou a mudar a mentalidade do futebol no país. Hoje, entende ser possível ver um confronto em Quito com a seleção brasileira como um jogo de igual para igual. Em parte, pela evolução do Equador; em parte, por um declínio que enxerga no Brasil.

– Brasil não é o mesmo de antes, mudou para pior. Ocorre que não se acha, hoje, tantos jogadores quanto naquela época. Era um time em que você precisava marcar todos, os dez eram capazes de fazer gols. Nem sempre é tão fácil achar jogadores assim nesta quantidade. Até os laterais, Cafu e Roberto Carlos, decidiam jogos. O que fizemos foi ficar com a bola. Brasileiros gostam de jogar, mas nem tanto de correr atrás dos adversários – recorda o ex-atacante.