Cotidiano

Medo e direção: combinação perigosa

Cascavel – O desejo de chegar mais rápido e com conforto ao destino pretendido, entre inúmeros outros benefícios que um veículo nos permitem – trava quando o medo que toma do condutor.

Assim como há pânico por altura e lugares fechados, por exemplo, o receio de dirigir um veículo pode chegar a uma situação sem controle, e, a exemplo das demais fobias, só pode ser resolvida com ajuda especializada.

De acordo com a psicóloga Josiane Ignacio, da Divisão de Medicina e Psicologia do Detran-PR (Departamento de Trânsito do Paraná), o ato de dirigir corresponde a um conjunto de comportamentos complexos que podem estar relacionados principalmente com a preocupação em envolver-se em acidentes de trânsito.

“Outros fatores também podem favorecer o medo de dirigir, como a inexperiência na direção veicular, que contribui com o aumento da ansiedade em conjunto com o medo de perder o controle do automóvel”, cita Josiane.

Existe ainda o desconforto por outros medos que são estão corelacionados ao trânsito, acrescenta a psicóloga, “como o medo de estacionar, de engarrafamentos, de túneis, pontes, viadutos, de dirigir em estradas, medo de ser assaltado, dentre outros fatores”.

Janinha dos Santos conquistou a carteira de motorista há dez anos. Hoje ela consegue encarar o trânsito, mas com algumas restrições: “Ainda não me sinto segura para dirigir em estradas, evito sair com o carro à noite e que não seja meu”.

Ela lembra que, mesmo após a aprovação no Detran, aguardou meses até conseguir sair com o carro. “Esperei seis meses para começar a dirigir. A princípio eu só dirigia descalça, pois assim me sentia mais segura”, relata.

A servidora pública Ana Emília Tschá Kessler conta que, apesar de ser habilitada, ainda sente medo quando senta no banco do carro. “Logo quando fiz a CNH tinha medo até de chegar perto do carro. Quando ia dirigir esquecia tudo que tinha aprendido na autoescola, não sabia o que fazer”, lembra. O maior medo de Ana era de que o veículo parasse no meio da rua e provocasse algum acidente.

Embora ainda passe por momentos de tensão quando dirige, a servidora tenta se manter calma e prefere trafegar por ruas com menor fluxo de veículos e de pessoas. “No início, minha mãe ou meu pai iam comigo, pois tinha medo de ir sozinha. Agora, consigo ir a alguns lugares, mas ainda não consegui dirigir em rodovias”, revela.

Trauma

Sirlei Fonseca conseguiu concluir as aulas práticas, passou pelo teste psicológico e teórico exigidos pelo Detran, mas desistiu do meio do caminho para obter a CNH (Carteira Nacional de Habilitação). “Reprovei no teste prático e decidi não refazê-lo. Sabia que, se fosse aprovada, haveria cobrança ainda maior por parte da família para que eu dirigisse, então optei por abrir mão da carteira de motorista”.

Durante as aulas práticas ela nunca recebeu apoio para que se sentisse mais segura: “O instrutor até percebia o meu medo, mas seguia em frente com o trabalho”.

Sirlei acredita que hoje as autoescolas deveriam preparar melhor os alunos para o trânsito: “É importante tranquilizá-los e não somente abordar normas de trânsito”.

Terapias ajudam

Conforme a psicóloga Josiane Ignacio, da Divisão de Medicina e Psicologia do Detran-PR, quando há o interesse é possível reverter esses obstáculos e o primeiro passo para isso é identificar o medo de dirigir. “Por isso é tão importante buscar um apoio psicológico, pois a esquiva de dirigir pode acarretar em outros problemas na vida das pessoas, como não assumir empregos em que precisem se deslocar dirigindo”, orienta Josiane.

Há situações em que, mesmo após obter a CNH, o medo impede o condutor de sair para a rua de carro: “Saber enfrentar o medo não é tarefa fácil. Para os condutores já habilitados que apresentam medo em exagero é essencial que busquem ajuda psicológica para melhorar as condições de enfrentamento das situações adversas do trânsito”, esclarece a psicóloga do Detran.

Frustração

Para muitas pessoas o período de autoescola é visto como de tensão e a ansiedade reflete no desempenho do teste final. É comum que muitos precisem refazer o teste do Detran-PR até conseguir a tão sonhada carteira de habilitação.

Apesar da frustração nesse processo, não há pesquisas que comprovem que as reprovações no processo de habilitação podem interferir futuramente na prática da direção veicular. “Sugere-se que pesquisas mais exploratórias desse contexto sejam realizadas, a fim de encontrar resultados mais ilustradores sobre o medo de dirigir e a maneira como as pessoas lidam com isso”, avalia Josiane.

Pensando em casos de motoristas nessas situações, a Cettrans (Companhia de Engenharia de Transporte e Trânsito) de Cascavel planeja um curso no próximo ano à comunidade para oferecer condições psicológicas e práticas de mobilidade veicular em ruas, avenidas e estradas.