Cotidiano

Estrangeiros buscam refúgio em Cascavel

Há 11 meses morando em Cascavel, o venezuelano Angel Gabriel, 17 anos, não esconde a alegria pela nova vida. Ele não pensa em retornar ao país de origem, duramente prejudicado por uma grande crise política e econômica que resultou em uma verdadeira diáspora. Milhares de pessoas chegam diariamente ao Brasil pela cidade de Paracaríma, em Rondônia, e se espalham pelo país.

Gabriel hoje trabalha como engraxate no Salão do Josué, no Centro de Cascavel. Cada cliente paga R$ 10. Isso equivale a quase o valor do salário mínimo venezuelano, que hoje está em US$ 3. “Ganho quase três dólares lustrando apenas um sapato”, comemora.

O jovem venezuelano destaca que a crise no país vizinho se tornou insustentável. “Eu tenho amigos que morreram por falta de médicos, há escassez de comida e muita delinquência por causa da economia [em ruínas]”, relata.

Ele lembra que muitas vezes presenciou filas em frente aos supermercados quando chegava um caminhão de alimentos. Rapidamente uma multidão se aglomerava para comprar um pacote de arroz, um de farinha e outro de macarrão. Nem todos conseguiam.

Quando chegou ao Brasil, na cidade de Pacaraíma, ele encontrou muitos conterrâneos aguardando liberação da Polícia Federal para seguir viagem. “Havia muitos venezuelanos fracos, desnutridos. Uma situação muito triste”, relata.

Pior governo

Para Angel Gabriel, o governo do presidente Nicolás Maduro é o pior da América Latina. Ele destaca que opositores do governo até tentam se manifestar, mas correm risco de morte ao discordar do governo. “É perigoso, hoje é quase impossível se manifestar”.

Tenor

Por trás de um corpo franzino de um jovem sorridente, há um talento musical que Angel Gabriel faz questão de revelar. O garoto é tenor e tem até um canal no YouTube.

Durante a entrevista, ele deu uma palhinha cantando a música “Llamare”, cântico religioso da Congregação das Testemunhas de Jeová, igreja que ele e a família frequentam.

Gabriel morava na cidade de La Victória, perto da capital Caracas. Lá ele era requisitado para cantar em casamentos.

O jovem venezuelano diz que pretende continuar a animar casamentos com belas músicas aqui, em Cascavel. Para encontrá-lo basta fazer uma busca no Google ou no YouTube por “Gabriel: G, el tenor”.

Gratos pela acolhida

Franklin Isaa Valero está em Cascavel há quase quatro anos e também trabalha no salão do Josué, onde é cabeleireiro. Ele destaca a receptividade da cidade, elogia a qualidade de vida e diz que Cascavel é uma boa cidade para morar.

A ligação de Valero com o Brasil, no entanto, não é de hoje. Foi na Venezuela que ele conheceu uma brasileira, se apaixonou e casou.

O casal decidiu vir para o Brasil, segundo ele, não por questões políticas, mas para esposa ficar mais perto da família.

Reservado, Valero evita tecer comentários sobre crise política e econômica na Venezuela.

Ele destaca que chegou ao Brasil quando a crise estava começando, mas, na época, já havia escassez de alimentos na Venezuela.

Além do trabalho como cabeleireiro, Valero é voluntário na congregação das Testemunhas de Jeová. A igreja ajuda imigrantes oriundos de países com língua espanhola, inclusive o material religioso é impresso em espanhol. Os voluntários estão iniciando um trabalho no idioma guarani.

60 venezuelanos

A população de imigrantes venezuelanos está aumentando em Cascavel. Isaa Valero diz conhecer pelo menos 60 venezuelanos que estão na cidade, a maior parte acolhida pelos trabalhos sociais das Testemunhas de Jeová. Na congregação que ele faz parte, há cinco meses foram recebidos oito novos membros venezuelanos que chegaram a Cascavel.

Trabalhadores

Josué Valério Mazo, proprietário do salão de beleza, diz que é preciso olhar para os imigrantes e estender as mãos. Ele conta que Franklin foi o primeiro a chegar ao estabelecimento, relatou a situação que vivia na Venezuela e então decidiu contratá-lo. Depois vieram outros conterrâneos, todos ligados à mesma família, e hoje são quatro venezuelanos que trabalham no estabelecimento. “Resolvi dar uma mão para esses meninos. São trabalhadores, honestos, estão em quatro trabalhando aqui. Só dão alegria para nós”, revela.

Reportagem: Luiz Carlos da Cruz

foto: Aílton Santos