Saúde

Linchamento Público Problema social recorrente e cada vez mais perto de você!

Entre outras definições, linchamento público é descrito como um fenômeno relacionado a meios de controle social e tem a característica de se tornar um tipo de “espetáculo público”

Smartphone, celular,  em uso.
Smartphone, celular, em uso.

 

Cascavel – O avanço e a excelência tecnológica têm proporcionado descobertas e científicas e agilidade em campos cruciais, como a medicina, de forma surpreendente. Um exemplo é a própria pandemia da Covid-19. Ao mesmo tempo em que o pânico mundial deixou a sociedade atônita, o desenvolvimento das vacinas devolveu a necessária segurança. Detalhe: todos acompanharam estes acontecimentos pela internet, numa velocidade também surpreendente.

Por outro lado, esta mesma velocidade tem sido um problema com consequências extremamente danosas e quem vem chamando a atenção de diversos setores da sociedade e também das autoridades. O problema da exposição, julgamento e ‘condenação’ de atitudes e pessoas de forma precipitada e irresponsável, no chamado “linchamento público”, merece a maior atenção

Entre outras definições, linchamento público é descrito como um fenômeno relacionado a meios de controle social e tem a característica de se tornar um tipo de “espetáculo público”. Em geral, são mais frequentes em tempos de tensão social e econômica e, muitas vezes, têm sido vistos como uma forma encontrada por grupos dominantes para reprimir seus adversários.

 

“Justiça popular”

Nos últimos anos, sobretudo com a força das redes sociais, o problema tem se agravados e promovendo o e práticas de discriminação que condicionaram as sociedades a aceitar esse tipo de violência como práticas normais de “justiça popular”. A reportagem do Jornal O Paraná conversou especialistas para entender um pouco mais como esse “fenômeno” tem influenciado o comportamento social.

A promotora da Infância e Adolescência da Área Infracional de Cascavel, Larissa Vitorassi Batistin, relatou pelo menos dois casos que chamaram a sua atenção e que trouxeram consequências irreparáveis para as pessoas que estiveram envolvidas nos fatos, sendo que em um deles, a pessoa foi exposta e condenada “pela opinião pública” e, mesmo não sendo o real acusado do caso, colheu os problemas severos para sua vida pessoal.

O primeiro caso é de um estudante de uma escola técnica e pública da cidade que foi acusado de ter tocado em áreas íntimas de uma estudante de outra turma. A menina expôs a situação a todo colégio e deu um certo nome ao agressor, mas antes mesmos dos fatos serem apurados pelos órgãos competentes e os meios legais, o adolescente foi exposto e se tornou alvo de protestos. Como resultado, o adolescente acabou abandonado a escola e o curso.

O estudante, que era atleta, perdeu a bolsa de estudos da modalidade que praticava e, após ter sofrido o linchamento público, a “acusadora” disse que ele não era a pessoa que havia praticado o ato, mas outro adolescente. O caso está ainda em apuração, mas o fato é que acabou prejudicando a vida do estudante acusado inicialmente, que não teve chance de defesa foi e publicamente foi exposto e rechaçado pelos colegas. Ele e a família ainda sofrem as consequências da falsa acusado e o linchamento público.

“Os adolescentes estão na fase da formação da maturidade e, muitas vezes, comentem, sim, atos impensados. Mas, isso não dá o direito de outra pessoa cometer um crime contra ele, de punir antes mesmo de apurar os fatos e, por mais que ele tenha cometido, deve responder dentro da lei e não sendo exposto dessa forma a toda sociedade”, disse a promotora, lembrando que além do próprio acusado sofrer com a situação, sofre a família que muitas vezes precisa mudar a própria vida e a rotina para conviver com o problema.

Esse tipo de situação ocorreu com um segundo caso, que envolve um adolescente de um colégio particular da cidade que foi filmado arremessando um gato durante uma festa com um grupo de amigos. O ato está sendo investigado pelos meios legais, mas o garoto acabou tendo que deixar de frequentar a escola, a casa dele foi apedrejada e a família acabou deixando seus empreendimentos por estarem relacionados ao tratamento de animais.

Para a promotora o ato do menino não foi correto, mas também não foi correto todo o julgamento que ele recebeu da sociedade, com o vídeo circulando nos grupos de internet e redes sociais e a forma com que toda crítica foi desferida contra ele. “Não poder ir à escola também fere ao estatuto da criança e do adolescente; me chama muito a atenção a maneira como as pessoas estão agindo com o outro. É fácil jogar pedra por detrás da tela”, disse a promotora que acredita que as situações ficaram ainda mais fortes após a pandemia, assim como os casos de injúria.

Larissa Batistin reforçou ainda que é importante que os pais alertem os filhos quanto a este tipo de prática e que a sociedade toda cuide com estas situações de exposição, que acabam gerando prejuízos irreparáveis aos envolvidos. “Não vivemos mais na ‘Lei do Talião’. É preciso ter cuidado com as sentenças, porque cabe a Justiça apurar e responsabilizar as pessoas pelos fatos, sem o julgamento da sentença ao próximo”, ressaltou a promotora, que acredita que uma das saídas para este tema é o debate dentro das famílias e também no ambiente escolar.

 

Dentro da escola

Silmar Paschoalli, diretora de um colégio público da região norte de Cascavel, disse que cada vez mais os professores se deparam com estas situações no ambiente escolar e que na maioria dos casos o julgamento ocorre antes mesmo da apuração dos fatos. Um caso ocorreu há poucos dias dentro da escola em que um menino foi acusado de roubo e, mesmo antes de a pessoa que seria a vítima tivesse confirmado o fato, os colegas já estavam criticando e excluíram o colega do seu convívio.

“É muito comum ocorrer um fato e aquilo já repercutir, virar uma forma de agressão de um para com o outro; excluem e já tratam diferente”, falou a diretora. Paschoalli contou que há alguns meses soube que tinha um menino vendendo drogas e os colegas estavam prontos para denunciar. Na abordagem direta ao “acusado”, a diretora, descobriu os problemas que estava enfrentando em sua família, com pais desempregados, e estava entrando no “negócio” para conseguir comprar comida. A educadora ofereceu ajuda, conseguiu cesta básica e alimentos, ajudando na solução da questão. “Mas não são todos os casos em que depende só do professor. As pessoas precisam antes de julgar um fato ouvir sempre os dois lados”, acrescentou.

Para a diretora muito do que está ocorrendo com as crianças e adolescentes é reflexo dos próprios pais ou da família. Segundo ela, quando os alunos são chamados para a conversa, relatam inúmeros problemas familiares, situação que piorou com a pandemia. Muitas famílias ficaram desestruturadas por terem perdidos os pais e acabam indo morar com avós ou tios e sofrem com isso. “Temos diversas situações, mas o que fato é que temos que pensar como trabalhar dia a dia com este tema”, reforçou.

 

Psicóloga reforça alerta sobre intolerância e a “terra sem lei”

A psicóloga Lalucha Alves Miyahira, que trabalha clinicamente com o público dos adolescentes, acredita que o problema do linchamento é reflexo do atual momento social fortalecido pelo “politicamente correto” que vem de uma forma muito forte. Outra característica é do problema de aceitar a opinião do outro, ou seja, quando o outro pensa diferente muitos não consegue conviver com isso.

“Estamos passando um momento de muita intolerância e de conceitos mal formados, mas precisamos ter respeito pelo próximo, pelo o que o outro pensa e gosta. Não é porque ele é diferente que está errado. É importante que as pessoas consigam suportar as diferenças e conviver com isso”, alertou. Para ela, é cada vez mais importante que as famílias trabalhem os valores dentro de casa e que exista sempre o diálogo.

Para ela, o que ocorre dentro de casa reflete no social e, na questão da opinião, ninguém deve impor ao outro o que pensa, já que se aquilo para a pessoa está bem resolvido, ela não precisa tentar convencer ao outro. “A escola é muito importante, mas também muito dura quando falamos em comportamentos de grupos, já que em alguns casos a pessoa acaba tendo atitudes para conseguir ser aceito e ficar num determinado grupo. E os adolescentes têm uma cerca dificuldade de lidar com as escolhas”, reforçou.

 

“Terra sem lei”

Lalucha Miyahira destacou o fator “pós-pandemia”. Segundo ela, nesses dois anos sem aulas presenciais e isolados, crianças e adolescentes ficaram mais próximos da internet que é uma “terra sem lei”. O retorno presencial, para qual muitas escolas não estavam preparadas, expos casos de ansiedade, medo e até angústia. O fato é que diante de todos esses problemas, é importante que todos parem e analisem os comportamentos para encontrar a melhor maneira de lidar com os pré-julgamentos e com o “apontar o dedo para o próximo”.