Saúde

Após crescer durante a pandemia, HU perde 35% de orçamento para 2021

Logo após assumir a direção-geral do hospital, Rafael Muniz de Oliveira precisou improvisar, remanejar, reorganizar a equipe de profissionais, ocupar espaços vazios para dar conta da nova demanda

O diretor da Sesa chegou e disse: “A gente vai precisar de hospitais de referência nas regiões. Vocês não precisam responder hoje”. Naquele momento falei: “Não tem o que pensar!” - Foto: Pedro Prado
O diretor da Sesa chegou e disse: “A gente vai precisar de hospitais de referência nas regiões. Vocês não precisam responder hoje”. Naquele momento falei: “Não tem o que pensar!” - Foto: Pedro Prado

Se ainda restava alguma prova a ser dada sobre sua importância para a região, o HUOP (Hospital Universitário do Oeste do Paraná) sanou durante a pandemia, implantando leitos exclusivos para tratar pacientes com um agente desconhecido. Logo após assumir a direção-geral do hospital, Rafael Muniz de Oliveira precisou improvisar, remanejar, reorganizar a equipe de profissionais, ocupar espaços vazios para dar conta da nova demanda. Isso tudo poucas semanas após receber um hospital com as prateleiras vazias e com pagamentos de meses atrasados aos médicos terceirizados.

Apesar deste pandemônio que foi 2020, o próximo ano não promete ser muito mais fácil. Um dos principais será lidar com o corte do orçamento de 35%, caindo de R$ 24,5 milhões deste ano para R$ 16 milhões.

Rafael conversou com a jornalista Cláudia Neis na redação do Jornal O Paraná no dia em que o Pronto-Socorro do HU superlotou devido às mudanças para abrir mais oito leitos de UTI exclusivos para covid-19 dois dias depois. Você confere a íntegra da entrevista no site (oparana.com.br) ou acessando pelo QR code abaixo.

 

O Paraná – O HU é referência para toda a região oeste e teve/tem papel relevante no combate à pandemia da covid-19. Quais as maiores dificuldades que vocês enfrentaram e as maiores decisões que tiveram que tomar frente a essa pandemia?

 

Rafael Muniz – O pilar do desafio enfrentado foi a covid-19. No começo do ano tínhamos algumas perspectivas em relação ao orçamento em relação ao planejamento do que a gente faria no Hospital Universitário, só que em março esta pandemia acabou atropelando todos os planos de gestão. Passamos por algumas decisões difíceis, as principais – que eu me lembre – foram de abertura da primeira unidade covid-19. Estávamos em uma reunião de avaliação dos hospitais com o Estado e a conversa foi sobre o futuro dos hospitais universitários do Paraná… estavam estudando uma proposta de gestão diferente e foi a primeira vez que teve um caso de covid-19 em Curitiba. O diretor da Sesa [Secretaria de Saúde] chegou e disse: “A gente vai precisar de hospitais de referência nas regiões e eu gostaria de contar com os hospitais universitários. Vocês não precisam responder hoje, nos respondam depois”. Naquele momento falei: “Não tem o que pensar!” Nós somos um hospital de ensino, de excelência na assistência, e eu falei que temos que ser consolidados, não só pelo Estado, mas reconhecidos pela população, porque somos um pilar do alicerce da saúde do Estado, não só da região. Juntarmos os hospitais universitários (Maringá, Londrina, Ponta Grossa e Cascavel) e demonstrarmos o quão forte é esse alicerce da saúde no Estado, porque todos os problemas que temos nas macrorregiões são resolvidos por esses hospitais. A gente tem hospital de rede própria no Estado que, às vezes, não tem uma complexidade tão grande como um hospital universitário. O desafio foi esse: se colocar à disposição do Estado sem pensar muito quais eram nossas necessidades, mas em ser propositivo, em ser a referência, para depois ver o que era necessário para abrir. Naquele momento inicial, a gente precisou reduzir 59 leitos do HU para propiciar a abertura de dez leitos de terapia intensiva para pacientes com covid-19 e mais 20 leitos de enfermaria exclusivas, porque, de imediato, o Estado não tem como contratar profissionais.

 

O Paraná – Uma decisão também difícil…

Rafael Muniz – Difícil! O MP (Ministério Público) questionou o Hospital Universitário, tivemos que assinar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) sobre a reabertura gradual desses leitos. Era uma decisão difícil, mas olho para trás e vejo que foi a decisão mais acertada, porque, em menos de um mês, foi necessário ampliar para mais dez leitos de UTI e mais 20 de enfermaria. E em mais 30 dias tivemos que ampliar para 30 leitos de UTI, em junho. Em julho foi preciso trazer a enfermaria para dentro do hospital, porque antes tudo ficava na Ala de Queimados, separada do hospital, mas não cabia mais. Foi outra decisão difícil. Mas volto a dizer que olho para trás e vejo ter sido a decisão mais acertada, porque, naquele momento, era o que a população da região mais precisava. O lockdown e a restrição, muito incisiva no início, colaboraram bastante em relação à redução de pacientes por traumas gerais, os demais não saíam de casa para procurar atendimento e tudo isso diminuiu bastante a necessidade de leitos gerais na região.

 

O Paraná – Seria necessário tomar essas medidas mais restritivas agora?

Rafael Muniz – Quando começou a ter esse crescimento [de infectados com o novo coronavírus], o COE (Centro de Operações de Emergência) voltou a fazer as reuniões presenciais e, na última semana de novembro, houve uma sinalização de que seriam necessárias medidas mais incisivas… Aí, na segunda semana posterior, a gente chegou ao nível laranja, nós comentamos na reunião municipal do COE que seriam necessárias mais medidas restritivas para que a situação não piorasse, e na terceira reunião Cascavel chegou à faixa vermelha. A covid-19 tem demonstrado que ações de prevenção são melhores que as curativas, mas aí a gente bate naquilo que a população quer, porque ela não quer mais ficar fechada, ela quer ter esperança de um ano melhor, e a gente entende isso, mas, como profissionais da saúde, a gente entende também que a prevenção é mais eficaz do que a cura.

Então, acredito que deveríamos ter restrições maiores neste momento, que, aliás, já deveriam ter sido tomadas na primeira semana de dezembro para que a gente chegasse talvez ao Natal com uma possibilidade de afrouxar as medidas. Mas não foram tomadas, o toque de recolher foi pouco respeitado pelo comércio noturno, pelos jovens, que acabam sendo inconsequentes por acharem que a doença não os atinge… nós, inclusive, tivemos jovens que foram para a UTI, ficaram 35 dias. O efeito dessa onda, me parece que é efeito das eleições, que passaram e o pessoal estava relaxado, não tomaram cuidados com máscara, álcool gel e distanciamento, aí acabou culminando na ampliação gigantesca do número de casos.

 

O Paraná – Problema evidenciado já no início da pandemia e agravado agora é a falta de profissionais da saúde. Como vocês lidam com isso?

Rafael Muniz – A gente tenta correr atrás de funcionários, alguns profissionais que foram contratados por chamamento público que trabalharam no HU… Fizemos contato com profissionais que já trabalharam no Hospital Universitário, mas todos têm outro vínculo, às vezes dois, três vínculos, ou nem têm vontade de voltar ao hospital. Quando se diz “recursos humanos”, ele é finito em todas as áreas, na área multiprofissional, na área da enfermagem, na medicina… a gente está tendo dificuldade. Precisamos fazer, lá atrás, um contrato emergencial com o Consamu (Consórcio Intermunicipal Samu Oeste) para a prestação de serviço médico porque não tínhamos mais o interesse de entrarem no HU por chamamento público, então o Samu chamou com um processo seletivo e colocou os médicos lá prestando serviço para o hospital e nós remuneramos o Samu para isso. Eu não tinha como contratar profissionais médicos de maneira emergencial e a proposta que levei para o HU foi que os dois plantonistas da UTI, que agora cobrem 14 leitos, vamos ter que seguir com apenas um plantonista para esses 14 leitos e o outro para a ampliação de leitos. É um desdobramento, porque a Anvisa pede que no máximo dez pacientes contem com um intensivista, mas o CFM (Conselho Federal de Medicina) diz que, em situações emergenciais, até 15 pacientes por intensivista… Então, a gente entrou na situação emergencial do Conselho Federal, esperando que esse momento de crescimento e de necessidade de leitos não demore muito, porque a situação emergencial não pode ser contínua. Vou ter que, no meio desse tempo, tentar contratar mais profissionais, mas, além de os recursos humanos serem finitos, o espaço físico também é finito. O HU não tem como fazer uma ampliação sem retirar leito de uma ou de outra especialidade e isso acaba fazendo falta. É uma questão de opção, porque não tem como colocar mais pacientes…

 

O Paraná – O HU tem vários concursados em idade avançada, muitos até afastados. Você acha que pode haver uma renovação dessa equipe agora, que o Estado observa esse tipo de problema?

 

Rafael Muniz – A gente tem apresentado essa demanda ao Estado continuamente, porque é constante. Os concursos que tivemos no HU foram feitos há muito tempo, os profissionais já envelheceram, estão aqui há 15, alguns há 20 anos. As pessoas acham que quem trabalha em hospitais não têm rotina de trabalho pesado, mas é preciso continuamente fazer força. Chegamos a uma certa idade em que os problemas osteoarticulares que os funcionários apresentam começam a ficar crônicos e não tem como usar os mesmo profissionais que usávamos um tempo atrás nas UTIs, por exemplo, em que os pacientes são pesados e estão em coma induzido. Os novos que entraram por PSS ou pelo chamamento e os concursados que estão há muito tempo no hospital serão eventualmente renovados. A programação do HU com o Estado é de que haja alguma renovação, mas ainda não chegamos à conclusão da melhor forma a ser feita, se por processos seletivos, concursos públicos, ou mesmo por chamamento público.

 

O Paraná – Você encontrou o HU com falta de medicamentos e o atraso no pagamento dos médicos. Como está tudo agora?

Rafael Muniz – Eu era diretor de Enfermagem na gestão anterior, então estive por seis anos muito próximo da gestão, sabendo o que estava faltando e quais eram as necessidades do hospital, mas nunca tive o poder da decisão. Quando assumi o hospital, em janeiro, era realmente preocupante. Nosso almoxarifado não tinha estoque para dez dias. Os médicos estavam com pagamento atrasado havia quatro meses. Eu tenho que agradecer à gestão da Unioeste, ao reitor [Alexandre Webber], que nos confiou essa missão e também à gestão estadual, que teve um diálogo muito próximo do hospital… a equipe da Sesa, o secretário Beto Preto, o chefe de Gabinete, Ian, os diretores, Nestor e Vinícius… sempre estiveram muito acessíveis e a gente apresentou o problema do HU naquele momento, que era conseguir estoque mínimo, pagar os médicos em dia, e já no início do ano chamamos a equipe médica, conversamos, mostrei o panorama de gastos do hospital e os médicos tocaram no assunto sobre um possível aumento, porque estavam cinco anos sem reajuste. Expliquei que neste ano não conversaria sobre aumento de salários e que a minha missão era de regularizar o pagamento. Com a proximidade com o governo, conseguimos em março e abril uma suplementação de R$ 6,5 milhões, que possibilitou regularizar o pagamento médico de dois meses, além de outros acertos internos que possibilitaram regularizar ao longo do ano mais pagamentos e desde julho eles estão recebendo em dia. Em relação aos materiais, em janeiro fizemos uma compra emergencial, as empresas entregaram em um período mais curto e conseguimos seguir. No início mantivemos um estoque avançado em 15 dias, mas agora estamos com um estoque de 45 dias.

 

O Paraná – Como ficou o orçamento para o ano que vem?

Rafael Muniz – Houve uma sinalização que o orçamento do ano que vem teria um corte de 10% por conta de preocupações do governo do Estado pela arrecadação. Este ano, por exemplo, a gente teve um orçamento previsto de R$ 18 milhões e ano que vem o previsto é de R$ 16 milhões. Só que os 18 deste ano tiveram suplemento de 6,5, totalizando R$ 24,5 milhões. Então, com os R$ 16 milhões, nós temos que acertar tudo para fazermos uma programação para que o hospital não perca o que nós conseguimos ganhar em 2020.

 

O Paraná – Isso você só vai conseguir ver no início do ano?

Rafael Muniz – Só no início do ano, porque isso depende muito da arrecadação, do que sobrou da LOA (Lei Orçamentária Anual), para que a gente consiga fazer alguns ajustes diretamente com o governo do Estado.

 

O Paraná – De modo geral, como você avalia este ano em que esteve à frente do hospital? Pensa em se candidatar a outro cargo?

Rafael Muniz – O ano foi cansativo, difícil, foi um desprendimento pessoal, de compreensão da família, minhas férias começaram 16 de março, dia 17 eu voltei a trabalhar porque estourou a pandemia. Tive um dia de férias. Foi extremamente cansativo, mas, olhando para trás, não enxergo decisões tomadas que tenham surtido efeitos ruins, tanto para os pacientes, para os servidores ou mesmo para a instituição. O que me satisfaz é olhar para trás e ver que todo o trabalho que nossa equipe realizou foi bem feito e continua a ser incentivada a fazer. Isso é o que nos motiva nessa luta cansativa. Nós já não temos fim de semana, resolvemos problemas com a 10ª Regional de Saúde, com a Secretaria de Estado de Saúde, para podermos fazer que a grandeza do hospital faça jus ao atendimento para a população. Não sei se eu puxo o saco da nossa equipe, mas não tenho visto tantas críticas em relação ao atendimento do HU, alguma ou outra vez a gente peca porque a demanda é maior do que o hospital consegue absorver, mas sempre falo que nós atendemos onde quer que for necessário da melhor maneira possível. Então, se for necessário atender em uma cadeira, vamos atender, porque a demanda vem de qualquer maneira. Um paciente da UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) às vezes não vai ter um atendimento adequado porque muitas vezes o paciente requer uma especialidade mais complexa e o HU tem essa complexidade e vai atender. Pode ser que não no melhor conforto nem no melhor espaço, mas com o atendimento necessário. Eu acho que tudo isso me leva a pensar em ser candidato a esse posto de diretor, para que eu continue por mais três anos, com a gestão do reitor, se o grupo assim achar que deva ser. Nós vamos fazer as eleições, o reitor vai cumprir essa promessa, pode ser que não em janeiro, porque a pandemia vem em uma crescente e isso desgasta, mas com certeza até fevereiro, caso passe de janeiro. A minha vontade é continuar fazendo esse trabalho bem feito que nossa equipe tem realizado e esperar que ano que vem seja melhor que este ano em relação à pandemia, em relação ao nosso Estado, ao serviço que o hospital pode oferecer à população, cumprir o papel de ajudar a população a ter um atendimento humanizado e de qualidade.

Um ponto que ficou pendente, que eu olho para trás e vejo que não conseguimos resolver este ano, mas tenho certeza que ano que vem vamos conseguir, é a hemodinâmica do hospital. É um equipamento extremamente necessário. A gente pode prestar um atendimento melhor com uma hemodinâmica nova, fazendo a parte cardíaca, porque, de tudo o que nós pegamos na gestão deste ano, a nossa proposta foi ampliar e melhorar o atendimento. Às vezes, a pessoa fala que o hospital não atendia tanto cárdio, talvez por gestões de outros anos não optarem por isso. A nossa diferença é que temos estrutura, temos os profissionais e vamos abrir o hospital para o atendimento de toda a população. Fizemos contratos recentes com o Consamu, com prestação de serviços, com o Município de Cascavel com a prestação de serviço, então a gente tem o potencial de fazer muito mais, mas tenho certeza de que o problema da hemodinâmica vai ser resolvido.

 

O Paraná – Seria a compra de um novo equipamento?

Rafael Muniz – Isso. Uma nova máquina.

 

O Paraná – Já tem algo encaminhado a respeito disso?

Rafael Muniz – Temos algumas coisas encaminhadas ao Estado e estão bem próximos também. Já estamos acertando qual maneira seria o ideal para que isso venha a acontecer.

 

O Paraná – Qual a herança a covid-19 vai deixar para o HU e para a região?

Rafael Muniz – Acho que o maior legado serão os equipamentos, provavelmente uma necessidade extrema que a região tinha de leitos que será suprida. O Estado já sinalizou para a gente e já conversamos sobre o número de leitos que queremos a mais quando acabar a pandemia. Além, é claro, da conscientização sobre a importância dos profissionais de saúde. A credibilidade, o respeito e a importância desses profissionais, seja de que área for, devem ficar acima de qualquer equipamento. Esse é o maior legado que a pandemia trará para a região.