POLÍTICA

Ministro Luiz Fux vota pela anulação do julgamento da trama golpista no STF que deveria estar na 1ª instância

Foto: STF
Foto: STF

Brasília - Em um desdobramento de forte impacto no segundo dia de julgamento, o ministro Luiz Fux, ao analisar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete acusados de tentativa de golpe de Estado, votou pela anulação completa do processo, acolhendo várias preliminares levantadas pelas defesas. Sua manifestação, em clara oposição aos votos já proferidos pelos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, provocou imediata repercussão.

O ministro, ao se posicionar ontem (10), sugeriu um desfecho que remete ao destino da Operação Lava Jato e que pode marcar os rumos do julgamento da chamada trama golpista em futuro próximo. Fux defendeu o envio do caso à primeira instância e a nulidade de toda a ação penal, alegando que a maioria dos réus não possui mais foro por prerrogativa de função.

O ministro também rejeito a tese de golpe de Estado, já que nenhum governo foi deposto. “Jamais se poderia cogitar a aplicação do artigo 359-M [golpe de Estado], diante da ausência de deposição de governo legitimamente constituído. A lei exige a deposição para configurar o crime”, afirmou o ministro, sustentando ainda que golpes não decorrem de atos isolados ou de movimentos desarticulados de multidões desordenadas.

Fux afirmou ainda que manifestações críticas aos poderes constitucionais, apontadas como “bravatas”, “desabafos” e “choro de perdedor”, mesmo que reprováveis, não configuram crime, ainda que possam ser consideradas reprováveis.

E, mesmo que seja falso ou mentiroso, para Fux não é possível punir o discurso político, evitando a constituição de um “tribunal da verdade”. “Diferentemente de nós juízes, que devemos nos abster de declarações públicas frequentes, notadamente de cunho político, tendo em vista o nosso dever constitucional de preservar independência das instituições. Os agentes públicos eleitos devem, por natureza, engajar-se no debate público. Esse debate, essencial para a democracia, ocorre muitas vezes por discursos inflamados”.

Incompetência Absoluta

Fux defendeu que o caso deveria ter tramitado na primeira instância da Justiça Federal, argumentando que nenhum dos oito réus possui foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal. Para o ministro, a modificação “recentíssima” do STF em março de 2025 sobre a interpretação do foro privilegiado – que mantém a competência da Corte mesmo após o ocupante deixar o cargo para crimes relacionados à função – não poderia ser aplicada retroativamente aos fatos investigados, ocorridos entre 2021 e 2023, sob pena de ofender o princípio do juiz natural e da segurança jurídica. Ele ressaltou que a jurisdição só se exerce quando a competência está presente.

No Plenário

Mesmo que a competência do STF fosse mantida, Fux argumentou que o caso deveria ser julgado pelo plenário completo da Corte, com os 11 ministros, e não apenas pela Primeira Turma. Ele justificou que Bolsonaro está sendo julgado por fatos ocorridos durante o mandato e em função do cargo, sendo tratado “como se presidente fosse”, e que a gravidade e repercussão do processo exigem a análise pelo colegiado máximo, para evitar silenciar outras vozes.

Defesa cerceada

Fux acolheu a preliminar de cerceamento de defesa, criticando a disponibilização tardia e em massa de provas aos advogados. Ele descreveu o volume como um “tsunami de dados” – cerca de 70 terabytes de informações sem organização ou índice adequado – que dificultou a análise pelas defesas e até por ele próprio na elaboração do voto. O ministro enfatizou a importância do pleno conhecimento das provas pelos acusados, com a máxima antecedência, para garantir o devido processo legal.

Papel do Juiz

Fux reiterou que não cabe ao STF fazer “juízo político” e que o juiz deve atuar com distanciamento e imparcialidade, condenando com certeza e absolvendo com humildade na dúvida. Ele mencionou que, embora a democracia tenha evoluído, a ideia de igualdade pública exige o respeito aos direitos liberais e civis fundamentais.

Em seu voto, Moraes defendeu uma participação ativa do juiz na instrução penal para buscar a “verdade material”, ironizando a ideia de um juiz passivo. Já Fux enfatizou que o papel do juiz não deve ser confundido com o de um agente político, defendendo distanciamento, imparcialidade e a humildade de absolver na dúvida.

“Black Blocs”

Ao abordar o mérito, Fux se manifestou contra a acusação de organização criminosa. Ele destacou que a imputação de organização criminosa exige mais do que um simples ajuntamento de pessoas ou a existência de um plano delitivo; é necessária uma atuação duradoura e estável para a prática reiterada de delitos variados, o que, segundo ele, não foi narrado na denúncia. Ele comparou a trama golpista a protestos de black blocs para indicar a necessidade de absolvição de Bolsonaro pelo crime de dano ao patrimônio público, afirmando não haver evidências de que o ex-presidente foi o autor direto da destruição e que a condenação pelo dano seria absorvida por crimes mais graves como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito ou golpe de Estado.

No entanto, Fux convergiu com Moraes na questão da validade do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, afirmando que Cid colaborou acompanhado de advogado e se autoincriminou.

Divergências entre Luiz Fux e Alexandre de Moraes

Competência do STF:

  • Moraes: STF é competente; preliminar já superada.
  • Fux: STF é incompetente; caso deveria estar na primeira instância.

Órgão julgador:

  • Moraes: Julgamento válido pela Primeira Turma.
  • Fux: Apenas o Plenário poderia julgar.

Cerceamento de defesa:

  • Moraes: Defesas tiveram tempo e acesso suficientes às provas.
  • Fux: Volume massivo e desorganizado (70 TB) comprometeu a ampla defesa.

Papel do juiz:

  • Moraes: Juiz deve buscar a “verdade material”.
  • Fux: Juiz deve atuar com distanciamento, sem juízo político.

Organização criminosa:

  • Moraes: Houve esquema para manter Bolsonaro no poder.
  • Fux: Não houve elementos de estabilidade e permanência.

“Lavou a nossa alma”, diz defesa de Bolsonaro

As defesas dos réus avaliaram de forma positiva o início do voto de Luiz Fux e veem a possibilidade de apresentar recursos com base nas preliminares acatadas por ele. A defesa do ex-presidente Bolsonaro afirmou que o voto do ministro “lavou a nossa alma”.

O voto de Luiz Fux provocou uma divisão clara nas reações políticas. Parlamentares e aliados de Bolsonaro celebraram intensamente o voto de Fux. O ex-deputado federal Deltan Dallagnol e o deputado Marcel Van Hattem classificaram o voto como “ótimo” e um “juízo competente”, comemorando-o como um marco para a “guerra narrativa” e para a batalha política pela anistia no Congresso Nacional.

Flavio Bolsonaro afirmou que a decisão “desmonta a narrativa de Moraes”, “expõe perseguição política” e garante a “anulação total do processo”. Muitos acreditam que o voto pode ser o início de uma caminhada para anular todo o processo envolvendo o 8 de janeiro. Advogados próximos ao bolsonarismo consideraram o voto “impecável tecnicamente”.

Esquerda

Já a base governista e outros ministros minimizaram o impacto do voto de Fux, considerando como  “voto vencido” e que não mudará o placar geral. Alguns o classificaram como “um dos mais malucos da história do STF” e um “ato de deslealdade institucional”. A deputada Duda Salabert (PDT-MG) criticou Fux por agir com “burrice ou má-fé” e por negar a competência do STF, enfraquecendo a instituição. Lohanna França (PV) acusou Fux de “arrega[r]” e “se esquivar” quando os réus são figuras de poder.

Apesar da repercussão, o voto de Fux é visto como minoritário e sem grande impacto político no desfecho do julgamento. O julgamento da Primeira Turma do STF continua, com os votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Cristiano Zanin ainda pendentes. A expectativa é de que, a despeito da divergência de Fux, a maioria vote pela condenação dos réus, com a discussão da dosimetria das penas programada para a fase posterior.