Giovanna Back Franco
Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas
Os conflitos ou litígios são inerentes às formações sociais humanas, tendo em vista que existirá colisão de interesses se as utilidades são finitas e as pretensões infinitas. O conflito não conduz necessariamente à violência, no entanto deve ser racionalizado e solucionado, na medida do possível, para o bom convívio social. Ao longo da história da civilização, muitas foram as maneiras encontradas pelos indivíduos para resolver seus conflitos interpessoais, desde a vingança privada até a judicialização, com o fortalecimento dos Estados Nacionais. Assim, houve a publicização dos conflitos privados, sendo comum terceirizar as questões particulares, visto que a imparcialidade pode ser crucial para o alcance da justiça.
Na sociedade brasileira, é cultural a entrega dos conflitos ao Poder Judiciário, a “Liga da Justiça dos oprimidos”, empilhando processo sobre processo diariamente. Ocorre que, os conflitos familiares encontram uma particularidade frente aos demais: envolvem questões afetivas enquanto a legislação versa sobre questões patrimoniais. Essa conta não fecha. O direito familiar tradicional encontrou resistência às transformações sociais, não sendo incomum o uso do patrimônio para afetação do outro, com progressos tímidos dados pelos tribunais.
Dessa forma, o próprio Direito regulamentou técnicas que chama de “alternativas” (como se fosse de segundo escalão) para dar uma resposta ao litígio posto, tendo em vista a redução dos custos e da morosidade do processo tradicional. A par dos benefícios práticos que tais técnicas possam trazer ao Judiciário, pode ser o caminho mais adequado à família, na busca não só da solução, mas da transformação do conflito.
Ganharam espaço, então, técnicas como a mediação familiar, executadas inclusive no seio do processo, cujo foco é a transformação do diálogo e do relacionamento entre as partes, para que estejam aptas a resolver o conflito por si. Afinal, o mediador não dá a resposta aos litigantes, seu papel é de auxiliar que as partes encontrem o que é mais adequado para elas próprias, o que trará mais adesão e maior efetividade, inclusive, em caso de execução do acordo selado. Diferencia-se da conciliação por estar voltada ao relacionamento e não ao conflito, pela existência de vínculo entre as partes.
Dentre essas técnicas, houve enfoque especial à chamada constelação familiar, técnica alemã em que o dirigente, em uma encenação teatral, resgata as tendências de equilíbrio dentro das relações familiares de forma intergeracional, visto que teoricamente as condutas se repetem dentro da estrutura familiar. Tal técnica, formulada por um sacerdote, em meados do século passado, com uma suposta “sabedoria milenar”, não encontra respaldo científico e ignora as escolhas individuais, como se cada pessoa fosse moldada por forças externas apenas, como marionetes. Dizer que um filho violento é a repetição de um pai violento ignora a estrutura machista que se perpetua por séculos, pode culpabilizar o vulnerável e enxerga a família a partir de papeis pré-definidos de forma sexista, sem levar em consideração as armadilhas que a memória traz.
É crucial a resolução dos conflitos para a manutenção da harmonia social, no entanto, deve ser realizada de forma que não haja violação de direitos de alguém ou culpabilização da vítima. A confiança e o afeto são as linhas que costuram as relações familiares, que podem ser armas nas mãos de abusadores, frente à vulnerabilidade inerente a certos indivíduos. Não há resposta pronta quando se trata de família, mas o vetor em qualquer solução adequada de conflitos deve ser o respeito.