O peso e o poder da palavra
Cascavel e Paraná - Muita gente torce o nariz para o preciosismo terminológico. Parece coisa de elite, uma forma de engessar a transformação social em regras gramaticais. É verdade: o rigor técnico da linguagem, herança da construção moderna do conhecimento, pode excluir experiências e realidades que não cabem no molde oficial.
Mas, quando se trata de atravessar os corredores das instituições, é preciso saber jogar conforme as regras. No tribunal, até a transitividade de um verbo pode definir a culpa — ainda que seja em nome de outra pessoa.
Dar nome às coisas, colocá-las em caixinhas, é a base da ciência. O Direito funciona como uma grande máquina de classificação. Tudo precisa de um nome, de uma caixinha. É a chamada categorização do conhecimento. E disso depende se algo entra ou não na lei. Para garantir que caiba em diferentes situações, alguns termos são elásticos, abertos a mil interpretações. Outros, pelo contrário, ficam presos em definições rígidas — e é aí que começa a exclusão.
“Segurança nacional”, por exemplo, pode ser usada para justificar quase tudo, por mais absurdo que pareça. Já “mulher” costuma ser reduzida à definição biológica, deixando muitas de fora da proteção.
Nada disso é por acaso. As palavras carregam marcas de opressão, exclusão e silenciamento. Elas não nascem com significado fixo: mudam a cada contexto, moldadas pela experiência social. E o Direito, como narrativa, também muda — podendo ampliar ou restringir direitos, dependendo de quem segura a caneta.
O Debate no Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal deve enfrentar em breve um debate crucial: ampliar a aplicação da Lei Maria da Penha para além da violência doméstica, alcançando qualquer violência de gênero, em sintonia com a Convenção de Belém do Pará, que completa 30 anos. Se hoje já existe resistência para aplicar a lei mesmo diante da epidemia de feminicídios, imagine o impasse em redefinir o alcance da palavra “violência”.
A própria inclusão da violência vicária — quando agressores atacam bens, filhos ou usam falsas acusações para ferir a mulher — foi alvo de resistência. Trata-se de um mecanismo de controle que mina o vínculo familiar e amplia o sofrimento da vítima.
A Neutralidade Inexistente das Palavras no Direito
As palavras, afinal, nunca são neutras. No Direito, podem ser chave ou algema. Quando o Supremo decidir o que significa “violência”, não estará apenas interpretando uma lei: estará escolhendo se a linguagem segue presa ao passado ou se acompanha a vida real. E dessa escolha depende a proteção de milhares de mulheres.
Dra. Giovanna Back Franco
Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito