Reportagem: Juliet Manfrin
“Eles não têm parâmetros éticos e morais e isso torna esta guerra desigual”. O desabafo é do presidente do Sindicato dos Agentes Federais de Execuções Penais em Catanduvas, Carlos Augusto Machado, e representa a revolta de toda uma categoria. Na semana em que uma grande operação da Polícia Federal prendeu em diversos cantos do País líderes de facções criminosas que teriam encomendado a morte de pelo menos dois agentes penitenciários por mês no Brasil, Machado afirma que “essas organizações criminosas agora assumiram um viés terrorista”, referindo-se ao crime organizado que atua de dentro dos presídios. “É o que chamamos tecnicamente de guerra assimétrica, que é o que faz o Estado Islâmico com técnicas para desestabilizar as instituições, colocar medo na população e no sistema. São terroristas muito mais do que bandidos comuns. Eles não têm parâmetros éticos e morais e isso torna esta guerra desigual”, acrescentou.
A fala do presidente está balizada, entre outros aspectos, na morte recente de dois agentes penitenciários federais que atuavam em Catanduvas. As investigações apontaram que a ordem para matá-los veio de dentro dos presídios, determinada por líderes de facções criminosas. A determinação em ambos os casos teria sido informada a partir de familiares durante visitas sociais e íntimas.
Alex Berlamino foi morto numa emboscada em setembro do ano passado perto da casa onde estava hospedado em Cascavel. Já a psicóloga Melissa Almeida foi morta em maio passado quando chegava em casa, também em Cascavel, depois de buscar o filho na escola.
Ontem, agentes penitenciários fizeram um protesto em frente à penitenciária em Catanduvas e depois participaram de uma celebração religiosa. A data serviu para lembrar dos colegas mortos, no Dia Internacional da Amizade.
A interrupção das visitas
Logo depois da morte da psicóloga Melissa, em maio, o Ministério da Justiça determinou que as visitas sociais e íntimas estavam proibidas nos quatro presídios federais – Catanduvas, Porto Velho, Campo Grande e Mossoró. Isso ocorreu por pelo menos 60 dias ficando restrita às visitas assistidas pelo parlatório.
Machado nega que a categoria esteja em pânico, mas reconhece que alguns colegas próximos aos agentes mortos pediram afastamento de suas funções. “São pessoas que ficaram chocadas com o que aconteceu e pediram afastamento de suas funções, mas não houve pedido de exoneração”.
Sistema precisa cortar a cadeia do comando
O presidente do Sindicato dos Agentes Federais de Execuções Penais em Catanduvas, Carlos Augusto Machado, reforça que o principal objetivo de atos como o de ontem é chamar a atenção da sociedade, dos congressistas e das autoridades para o “fenômeno do crime organizado a partir das cadeias no Brasil com tentáculos em todas as partes”.
“O sistema penitenciário federal foi criado para neutralizar o crime organizado, seus líderes e até conseguiu por algum tempo. Aqui [no Presídio de Catanduvas] temos zero fuga, zero rebelião, zero entrada de celulares, mas não se consegue cortar a cadeia de comando. O que precisa é isolar quem lidera seus subordinados. O sistema penitenciário federal não conseguiu fazer isso por conta das visitas sociais e íntimas”, denuncia.
Segundo Machado, a Lei 7.210 de Execuções Penais define o direito de visita em seu artigo 41 inciso 10, mas não especifica que tipo de visita seria a indicada. “Nestes 60 dias as visitas foram monitoradas por parlatório, nesse caso se tem controle das informações que saem e que entram no presídio. Os presos que aqui estão são líderes de organizações criminosas. O juiz federal de seus estados decidiu e os mandou para o sistema penitenciário federal. A retomada das visitas íntimas e sociais é um atentado contra a sociedade civil e aos agentes, contra o direito à vida da sociedade e dos agentes contra todo o sistema penitenciário”, lamenta.
Ele ainda ataca alguns magistrados, que ignoram a realidade local: “Há juízes que julgam de costas para a sociedade, sem conhecer o princípio de convivência das liberdades públicas, o direito à visita ampla não pode se chocar com o nosso direito à vida digna”.
Sem voz: “As visitas precisam ser monitoradas”
O líder sindical Carlos Augusto Machado confessa que não acredita que as manifestações ou os clamores da classe cheguem até o ministro da Justiça, Torquato Jardim. “Recentemente ele [o ministro] disse que é humanamente impossível não permitir visitas íntimas e sociais aos presos. Ele não viu que era humanamente impossível se admitir que agentes estão sendo mortos, cidadãos nas ruas estão sendo mortos em função do crime organizado. Aqui é uma prisão de segurança máxima, as visitas são garantidas, mas em parlatórios”, argumenta.
O que se espera é que o Congresso delibere e a sociedade civil atue junto, que coloquem isso na lei. A lei foi interpretada que os presos de segurança máxima teriam direito à visita social e íntima. Não se pode admitir direito absoluto, pois aqui há lideres de facções criminosas e as visitas precisam ser monitoradas. Se o ministro não entendeu assim, que o legislador então entenda”.
Para o presidente do sindicato, as autoridades públicas ainda não conseguiram dimensionar o tamanho desse problema. “E é por isso que falamos que o último que sair que apague a luz, mas que, se não der tempo, que saia correndo”, desabafou.