RIO – Parecia um jogo tranquilo para as americanas Lauren Fendrick e Brooke Sweat, na estreia delas no vôlei de praia em Copacabana. Por 21 a 14, venceram um primeiro set insosso, até a torcida entrar em quadra e a mágica começar. Tomado por brasileiros, o público adotou as polonesas Kinga Kolosinska e Monika Brzostek, entoando, na língua delas, o nome do país. ?Polska, Polska, Polska!? Para os Estados Unidos, sobravam provocações: a cada saque, o que se ouvia era um ?oooo zika?. Pressão que parece ter surtido efeito. A dupla europeia venceu o segundo set e, num emocionante tie-break, ganhou a partida, na manhã de domingo.
? Com certeza o apoio da torcida nos ajudou muito. Foi incrível ouvir a arena gritando o nome do nosso país em polonês. Isso nunca aconteceu antes. Os torcedores cariocas são fantásticos ? disse Monika ao GLOBO. Jogos Rio – 08/08
Nos primeiros dias olímpicos no Rio, a torcida brasileira já mostrou que nunca é indiferente ao que assiste, seja uma partida de vôlei de praia, rúgbi ou tênis de mesa. Quando não há conterrâneos competindo, o público escolhe um lado e vibra como se não houvesse amanhã, de forma tão passional que, às vezes, incomoda torcedores estrangeiros e atletas. Pior para as romenas do handebol no jogo do último sábado, contra a equipe de Angola. A vitória africana era improvável. Mesmo assim, quando a goleira Teresa Almeida, a Bá, de 98 quilos, fazia alguma defesa, todos gritavam seu nome. Logo no início, as arquibancadas cantavam em coro: ?Eu sou Angola, com muito orgulho, com muito amor?. As angolanas abriram 4 a 0 e não vacilaram. Com o empurrão da torcida, ganharam por 23 a 19 ? literalmente, nos braços do povo.
Na coleção de reações surpreendentes, nem sempre a torcida é pelo time ou atleta mais fraco. Fenômeno americano na ginástica artística, Simone Biles foi ovacionada na Arena Olímpica. Enquanto no Estádio Aquático ? já apelido de La Bombonera, em referência ao caldeirão do Boca Juniors ?, o nadador americano Michael Phelps saiu da piscina anteontem com sua 23ª medalha olímpica, a 19ª de ouro, e uma emoção diferente de todas as anteriores.
? Tinha tanta excitação vindo da torcida que era possível sentir durante a prova. Eu não sei se já ouvi algo parecido com isso ? disse o recordista de medalhas olímpicas.
Mas quando é Estados Unidos competindo, muitas vezes a plateia não tem sido tão amigável assim. No Mineirão, sábado passado, a goleira da seleção feminina de futebol Hope Solo também ouvia o grito de ?ooooo zika!? toda vez que pegava na bola, numa reação a uma polêmica foto postada pela atleta nas redes sociais com seu ‘arsenal’ contra a doença.
SEM PERDÃO PARA A GOLEIRA
A recepção ao Team USA, no entanto, tem sido influenciada por uma publicação nas redes sociais em que a goleira da seleção feminina de futebol Hope Solo aparecia com um mosquiteiro na cabeça, segurando um repelente, numa referência à zika no Rio. A torcida não a perdoou, nem mesmo depois de um pedido de desculpas. Foi a primeira americana a ouvir ?oooo zika? no Brasil.
Mais esperada, pela histórica rivalidade, a galhofa com os argentinos também é desavergonhada. Na torcida contra os hermanos, o Engenhão virou Argélia desde criancinha anteontem, pelo torneio de futebol masculino. Teve “Huuuu” quando os africanos quase marcaram. E urros para comemorar o gol do argelino Bendebka, como se fosse de Neymar. Na partida épica de tênis entre o sérvio Novak Djokovic e o argentino Juan Martin Del Potro, os brasileiros escolheram o europeu. Nas arquibancadas, argentinos cantavam ?olê, olê, olê, Delpo, Delpo?, os de verde e amarelo respondiam ?lê, le-ô, le-ô, Djoko!?. Clima de Libertadores num esporte onde o silêncio reina.

Como número 1 do mundo, não chega a ser uma surpresa o apoio dos brasileiros a Djokovic, que deixou a quadra aos prantos. Mas a fama não é requisito para um atleta provar o sabor do incentivo carioca. Anteontem, as egípcias Nada Meawad e Doaa Elghobashy entraram na arena de vôlei de praia com véu, calça e mangas compridas. Perderam para a Alemanha, ganharam os brasileiros. E também uma adaptação de um clássico do axé baiano, do Chiclete com Banana: ?E-gi-to, oba, oba!?.
A arena de Copacabana é das mais animadas. No jogo entre Chile e Holanda, um grupo de brasileiros cantava em uma só voz com dezenas de chilenos nas arquibancadas. Inovaram ao saudar os primos Marco e Esteban Grimalt berrando o nome do poeta Pablo Neruda e do político Salvador Allende. Até irritaram os europeus, que tiveram o ego massageado, depois, com gritos de ?Van Gogh?. Paz selada: tudo acabou em selfies no calçadão. Os recordes quebrados nos Jogos Rio-2016
Não era nada contra os holandeses. No Maracanãzinho, durante uma partida do vôlei de quadra feminino, os donos da casa escolheram os ?laranjas? na disputa contra a China, no sábado. As orientais eram favoritas, possível pedra no caminho do tricampeonato olímpico brasileiro. As européias voltavam aos Jogos depois de um jejum de 20 anos. O público não titubeou: elegeu a ponteira Lonneke Sloetjes como queridinha, enquanto ressoavam nas arquibancadas gritos de ?Holanda?.
? Tinha um casal de belgas do meu lado, que começou a cantar Holanda também, assim como os brasileiros, em português mesmo. Foi emocionante ? contou o paulista Michel Santos, apaixonado por vôlei, que viu as holandesas surpreenderem, ganhando o jogo no tie-break.
Até em esportes com pouca tradição no Brasil, a Olimpíada tem mostrado que o brasileiro gosta mesmo é de torcer. No levantamento de peso, quando o chinês Long Qingquan levou o ouro na categoria até 56 quilos, batendo o recorde olímpico ao erguer 170 quilos, o Pavilhão 2 do Riocentro vibrava como num Fla x Flu. A torcida também reconhece o esforço dos atletas, mesmo de adversários. Ontem, na derrota do Brasil para o Japão no basquete feminino, as jogadoras asiáticas foram aplaudidas por todo o ginásio ao fim da partida. Pode ser que elas nem ganhem medalha. Mas será difícil esquecer o jeito brasileiros de torcer.
ENTRE EUFORIA E MÁ EDUCAÇÃO
Algumas atitudes da torcida incomodam até brasileiros. O funcionário público Paulo Esteves se indignou na partida entre Brasil e Bélgica no hóquei sobre grama masculino. Saiu com a sensação de ter ido a uma ?arena romana?. Num ressoar de vaias para os belgas, o clima, diz ele, era de deboche:
? Só faltou lançarem tomates em campo. O Brasil perdeu de 12 a zero, mas o mais vergonhoso foi o público. Os torcedores da Bélgica estavam constrangidos.
Na semifinal vencida por Rafaela Silva no judô, ontem, o público chegou a cantar ?vai morrer!? para a romena, sua adversária. ?Fura ela?, exclamavam furiosos brasileiros na disputa feminina da esgrima ontem, tentando animar uma atleta chinesa. Tons acima, certamente, que levaram os locutores do evento a pedir que parassem as vaias, estranhas ao esporte. Conheça todos os esportes olímpicos da Rio-2016
O comportamento virou assunto da imprensa internacional, do New York Times à Reuters. A agência chegou a publicar que os brasileiros estariam ?surdos? para o espírito olímpico. 
Por outro lado, a jogadora de vôlei de praia Georgina Klug, da Argentina, se rendeu aos brasileiros apesar das provocações.
? Essa torcida me encanta. Prefiro mil vezes os brasileiros gritando contra do que os torcedores frios e indiferentes da Europa. Os brasileiros são mais calientes ? brinca Klug.