Esportes

Doping: Ex-homem forte da ABCD acusa COB de pressionar contra testes em atletas brasileiros

Ex-membro da Agência Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), trazido ao Brasil por sua vasta experiência no combate ao doping, o português Luiz Horta implantou no Brasil nos últimos anos, o programa de testes no Brasil, crciando um grupo de “atletas-alvo” para serem submetidos a exames-surpresa antes dos Jogos do Rio. Ele saiu da ABCD em junho, depois da mudança no comando do ministério do Esporte e, nesta quarta-feira, em entrevista ao diário “Lance”, acusou o governo federal e o Comitê Olímpico do Brasil (COB) de atuarem contra o trabalho desenvolvido pela agência brasileira.

Após a entrada de Leonardo Picciani como ministro do Esporte, em maio, após o afastamento da presidente Dilma Rousseff, o antigo diretor da ABCD, Marco Aurélio Klein, foi demitido em julho, e entrou em seu lugar o ex-judoca Rogério Sampaio.

Horta diz que o trabalho da ABCD foi cerceado pelo ministério e pelo COB e que teve a “dignidade pessoal” ameaçada.

– Decidi deixar a ABCD e não dando continuidade ao contrato que celebrei com a Unesco, por uma questão de proteção da minha dignidade profissional e pessoal. Tratava-se de um momento crucial da política antidopagem do país, relativa à garantia que se estava a dar a todo o Programa Mundial Antidopagem de que as medalhas do Brasil seriam limpas – afirmou o português ao “Lance”. – Após a entrada em funções do novo responsável máximo pelo Ministério do Esporte e mesmo antes da saída do Marco Aurelio Klein, a ABCD começou a ser sufocada pela máquina administrativa do Ministério do Esporte, precisamente por estar a cumprir as suas obrigações de acordo com Código Mundial Antidopagem, com a Convenção Internacional contra a dopagem da Unesco e com a legislação brasileira relativa a antidopagem.

Segundo Horta, o superintendente-executivo do COB, Marcus Vinicius Freire, pressionou Marco Aurélio Klein para que se diminuísse a frequência de testes nos principais atletas brasileiros. A pressão teria sido feita por mensagens de telefone e pessoalmente.

– A ABCD sempre teve um objetivo que é comum, penso eu, a todos os brasileiros, que o Brasil ganhe muitas medalhas nos Jogos Rio-2016. No entanto, a ABCD sempre desejou ter como objetivo primordial que essas medalhas fossem muitas, mas limpas. Este objetivo, viemos a descobrir, não era partilhado por todos os interlocutores, pois alguns desejam apenas que fossem muitas medalhas, independentemente de serem limpas ou não! Tudo ficou muito claro quando o COB, através do seu dretor executivo (Marcus Vinicius Freire), começou a pressionar a ABCD na pessoa do seu responsável máximo, Marco Aurelio Klein, expressando a sua insatisfação relativa à quantidade excessiva de controles de dopagem fora de competição que estavam a ser realizados pela ABCD nos atletas brasileiros que iram participar Jogos Rio-2016 e à forma rigorosa como a ABCD estava a realizar a gestão das falhas relativas ao sistema de localização (Whereabout) – continuou Horta. – A verdade é que a ABCD incomodou muita gente, porque com a sua isenção e espírito de servir o país, mexeu com muitos interesses instalados há muitos anos na antidopagem do Brasil. A ABCD tratou pela primeira vez a antidopagem como uma política de Estado no Brasil – completou.

COB SE DEFENDE

Em nota enviada ao GLOBO, o COB se defendeu. As declarações são assinadas por Marcus Vinicius Freire. Ele admite o atrito entre COB e ABCD e justifica o pedido para uma menor frequência dos testes-surpresa nos atletas brasileiros:

“Antes de mais nada é preciso explicar que quando a equipe de teste comparece ao endereço indicado e o atleta não está lá, significa um teste perdido. Se isso acontecer três vezes, é quase tão grave quanto um exame positivo. Na prática, caso a equipe procure o atleta quatro vezes e não o encontre em três dessas ocasiões, significa 75% de ausências. Se procura 30 vezes e não o encontra três, o percentual é de 10%. Para a WADA, no entanto, a gravidade é a mesma e o atleta poderá ser suspenso. A ABCD, para mostrar serviço e treinar seu pessoal, decidiu multiplicar os exames e testar à exaustão nossos atletas. Obviamente, a chance desses atletas incidirem em faltas, e serem suspensos por isso, mesmo estando totalmente limpos, aumentou consideravelmente. Além disso, os exames quase diários, trazem evidente prejuízo para a continuidade do treinamento. Essa a divergência do COB com a ABCD. Jamais protegemos atletas para acobertar o uso de substâncias proibidas”.