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Bonsucesso busca raízes em ano nômade e de briga para não cair

A silhueta de alguém executando uma bicicleta, emblema que aparece no alto do lado direito do uniforme, remete a uma época cada vez mais distante para o Bonsucesso. Trata-se da marca registrada de Leônidas da Silva, o Diamante Negro revelado pelo rubro-anil suburbano nos anos 30. Eram tempos em que o Cesso brigava nas cabeças: chegou a ser vice-campeão e três vezes ficou em quarto no Estadual. Hoje, o clube da Zona Norte vive uma luta que soa interminável contra o rebaixamento: precisa vencer o Tigres na última rodada do Grupo X, neste sábado, às 15h30m, para botar fim à agonia.

A bicicleta teve sua primeira execução documentada em abril de 1932, em vitória do Bonsucesso sobre o Carioca por 5 a 3. O lance, que completa 85 anos no próximo mês, fez Leônidas ser eternizado como nome do estádio do clube na Rua Teixeira de Castro. Lá, no entanto, o Bonsucesso ainda não jogou nem treinou neste ano devido a uma briga política nos bastidores.

Estar longe da Teixeira de Castro é um golpe na nostalgia. Talvez seja o grande barato de torcer para um clube de bairro. Tenho medo de que a gente perca isso

Atuar sempre longe do próprio estádio não quebrou a conexão do bairro com o clube, como se pôde ver em uma tarde de quarta-feira, duas semanas atrás, quando cerca de 200 pessoas se deslocaram à Rua Bariri para verem o time ser derrotado pela Cabofriense por 1 a 0. Ser um clube nômade, no entanto, faz com que as casas temporárias nunca sejam totalmente suas. O jogo decisivo contra o Tigres, com mando do Bonsucesso, será disputado em Moça Bonita na tarde deste sábado. No mesmo dia, pela manhã, o estádio receberá a decisão da Taça das Favelas.

? Estar longe da Teixeira de Castro é um golpe na nostalgia. Eu moro em Bonsucesso, lembro da sensação do meu primeiro jogo lá. Eram sempre os mesmos rostos. Havia integração, amizade. Talvez seja o grande barato de torcer para um clube de bairro. Tenho medo de que a gente perca isso ? reflete César Augusto, de 54 anos, torcedor inquieto e presença constante nos jogos.

PODERES PARALELOS

O time, muito jovem e formado às pressas para o Carioca, tem dificuldades para acertar o que a tradição cobra. A tensão causada pelas limitações atuais ficou evidente no empate em 1 a 1 com o Campos no último sábado, em Cardoso Moreira. O volante Jussa abriu o placar no primeiro tempo, resultado que garantia o Bonsucesso na elite. O mesmo Jussa perdeu a cabeça no início da segunda etapa, deu tapas em um adversário e foi expulso.

Pouco depois o Campos chegou ao empate, com Anderson Manga, placar que mantém os dois times separados por apenas um ponto na briga pela última vaga na Série A ? no Grupo X, a Cabofriense já se salvou e o Tigres já caiu.

Na rodada derradeira, o Boncesso terá quatro baixas contra o Tigres na Rua Bariri. Além do cartão vermelho de Jussa, o lateral Ramon, o meia Geovani e até o técnico Duílio foram expulsos por reclamação contra o Campos. Duílio dirigiu o time em quatro jogos, todos no Grupo X, com duas vitórias, uma derrota e um empate (entenda como funciona o Grupo X no vídeo abaixo).

Grupo X: a luta contra a queda no Campeonato Carioca

? Quando assumi, tentamos trabalhar a parte psicológica dos jogadores ? disse Duílio após a derrota para a Cabofriense. ? Vejo o time mais maduro e consistente. Eles têm valor.

O Bonsucesso tem hoje dois poderes paralelos. Um é o presidente do clube, Zeca Simões, que evita dar entrevistas sobre futebol. Isso porque a L&S Participações e Empreendimentos, empresa contratada há dois anos para gerir o futebol profissional no clube, teve atritos com a direção e precisou mostrar na Justiça que detém o comando enquanto durar o contrato, até o fim de 2017. Ambos negam estar em pé de guerra e tratam a relação como apaziguada, mas os dirigentes de Zeca e os representantes da empresa não assistem juntos aos jogos.

FUGA DA TEIXEIRA DE CASTRO

Evitando maior desgaste, o time montado pela L&S Participações deixou a sede do Bonsucesso e passou a treinar no Campo dos Afonsos, da Aeronáutica, onde a empresa avalia que os atletas encontram boa estrutura. À parte da briga política, os jogos do Carioca não poderiam ser mandados na Teixeira de Castro devido à falta de laudos, problema que ocorre desde 2015.

? Essa situação jurídica foi o que atrasou a montagem do elenco. O time sentiu um pouco a pressão no início. É um grupo enxuto, hoje temos 21 jogadores. Agora começou a fluir melhor. Só fomos vencer nossos primeiros jogos já no Grupo X ? avalia o supervisor de futebol da L&S Participações, Rogério Alves, reticente quanto ao futuro da empresa no clube ? Até o fim do ano nós ficaremos. O clube vai passar por eleições…

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Não só de passado e incertezas vive o Bonsucesso. Um grupo de cerca de 20 rapazes cantava e pulava incessantemente apesar da derrota para a Cabofriense. Trata-se da torcida organizada Esquadrão Rubro-Anil, fundada em 2015. O presidente é João Lucas dos Reis, estudante universitário de 20 anos, a média de idade do restante dos integrantes.

João Lucas se define primeiramente como vascaíno, mas garante ter ligação afetiva com o clube do bairro onde vive e que aprendeu a gostar graças ao pai. A torcida organizada ainda não teve chance, em sua curta vida, de assistir a jogos na Teixeira de Castro, já que o Bonsucesso não vem conseguindo atuar em seu estádio. Se a tradição não se encaixa no presente, porém, João Lucas mostra que ela não precisa agonizar. Pode, antes, se renovar:

? Criamos a torcida para trazer algo novo, uma festa legal. Antes costumava haver brigas em jogos com o Madureira, por exemplo, que é o principal rival do Bonsucesso. Nós, pelo contrário, só pensamos em cantar o jogo todo. É isso que queremos levar para a Teixeira de Castro.