Educação

Polêmica à vista: Modelo para volta das aulas põe os pais diante de dilema

Sistema híbrido vai demandar nova logística das famílias e aumentar os riscos de contaminação em casa

Polêmica à vista: Modelo para volta das aulas põe os pais diante de dilema

Cascavel – A volta das aulas presenciais pós-pandemia tem sido um assunto que desafia autoridades e divide os pais. Embora as crianças manifestem menos os sintomas da covid-19, elas têm sido mantidas em casa desde março por uma estratégia muito simples: reduzir os riscos de contaminação, já que podem ser potenciais vetores de transmissão. Além disso, elas também podem adoecer e, inclusive, algumas faleceram em decorrência do novo coronavírus. No Brasil, até 27 de junho (último dado disponível), 163 crianças de até cinco anos e 217 de dez a 19 anos de idade morreram em decorrência da doença. Ou seja, ninguém pode garantir que elas estarão seguras.

Consenso até agora é que os estudantes não poderão ficar em casa para sempre e é preciso, sim, restabelecer a rotina dos estudos, até porque o ensino on-line, adotado às pressas, está aquém da qualidade da sala de aula. Isso sem contar a importância do convívio social.

Contudo, o assunto ainda é bastante delicado. O Paraná criou um comitê para discutir o melhor modelo a ser adotado em todas as redes e definir as estratégias para criar um ambiente o mais seguro possível.

Dentre as propostas que estão na mesa, uma delas parece a solução mais ideal para as escolas, pois reduziria o contingente e facilitaria o controle, mas bastante complicada para os pais. É o chamado ensino híbrido: um dia aula presencial na escola, outro em casa, com aula on-line.

Se adotada, a nova rotina vai exigir mudanças na logística das famílias. Acostumados a deixar as crianças na escola durante o trajeto ao trabalho, os pais terão de pensar no que fazer no dia em que os filhos terão aula em casa. Babá, tata ou até tutor terão de ser contratados, já que a opção de deixar com avós começa a se tornar mais remota, pois, a partir de então, essas crianças estarão mais expostas ao vírus e representam um perigo maior ao chamado grupo de risco: os idosos.

O filho de Lillian Neis tem nove anos frequenta o 4º ano do ensino fundamental. “Acredito que, com isso, as crianças serão a principal fonte de contaminação e disseminação do vírus, suficiente para passar para quem fica em casa, ou para as pessoas que eles terão contato fora da escola”.

Outras mães ouvidas pela reportagem pediram para não serem identificadas, mas também consideram a situação complexa: “Com o retorno das atividades na empresa, meus filhos, que frequentavam o período integral, precisaram ficar com os avós que moram com a gente ou com vizinhas, mas, e com a educação híbrida? Eles virariam pontos de contaminação para quem está em casa e são do grupo de risco”.

Diante do cenário, muitos pais já adiantam: não pretendem levar os filhos para a escola neste ano. Para a comerciante Giórgia Gonçalves, o momento não é apropriado para o retorno: “Tenho duas filhas pequenas e um pré-adolescente. Na escola das meninas, são nove turmas e cerca de seis alunos por classe. Mesmo assim, considero arriscado. A maioria das crianças fica com os avós porque os pais trabalham o dia todo. Eles seriam responsáveis por levá-los e buscá-los. Tem ainda a questão do aluno que vai de van escolar, o que aumenta risco e o custo. Ou volta tudo ou então espera para quando a segurança for maior”, recomenda.

“Mesmo desejando o retorno, porque eles sofrem com a falta dos amigos, não me sinto segura. Minha filha usa medicamento que altera o sistema imunológico, está no grupo de risco e, antes de ser anunciada vacina ou medicação eficaz, me preocupo de ela ir para a escola”, conta Elizangela Pegoraro.

Lei não permite a evasão

Para muitos, manter os filhos longe da escola neste ano é uma atitude sensata e mais segura. Só que, diante da lei, isso é ilegal.

Conforme especialistas consultados pela reportagem, assim que a retomada das aulas for autorizada pelo governo, as crianças devem voltar para a escola.

A advogada Mônica Carvalho é especialista em direito da família e lembra que a criança tem o direito à educação e o pai tem o dever de assegurar esse direito. Por isso, não existe a opção de não mandar os filhos para a escola: “A evasão escolar pode ser averiguada pelo Conselho Tutelar porque o pai estará prejudicando a educação do filho, então, não mandá-lo para a escola é considerado prática ilegal por constar na Constituição que é dever dos pais e dos responsáveis promover a educação da criança”, explica.

Aumento dos custos

Com os filhos em casa durante a pandemia, muitos pais precisaram esticar o orçamento em até 100%. As mensalidades das escolas privadas não foram suspensas, e, embora algumas até tenham negociado um pequeno desconto, muitas famílias precisaram contratar profissionais para cuidar das crianças em casa, gasto que deve ser mantido mesmo com a volta das aulas, já que os alunos não vão frequentar a escola diariamente.

“Pagando mensalidade integral da escola, que ultrapassa R$ 1.300, ainda preciso pagar o salário da babá para o dia inteiro, que é praticamente o mesmo custo”, conta a mãe de uma das alunas do 4º ano de uma escola particular.

Tem ainda o custo do transporte. Muitos pais suspenderam os contratos que tinham com as vans, outros negociaram descontos. Mas, com a volta das aulas, o serviço volta a ser utilizado e os valores terão de ser negociados, caso a criança não vá para a escola todos os dias.

O que trata o comitê de volta às aulas

O Comitê de Volta às Aulas do Estado é formado por várias secretarias, entidades e associações e foi criado para discutir e elaborar um documento sugerindo à Sesa (Secretaria da Saúde) um protocolo para a retomada das aulas presenciais no Paraná.

Uma comissão em Cascavel foi criada para acompanhar o trabalho da comissão estadual e contribuir e repassar as decisões.

A Secretaria de Educação informa que não existe expectativa de prazo para que todas as ações sejam implantadas. “Não tem previsão com relação a datas, isso será determinado pela Secretaria de Saúde do Paraná, de acordo com a monitoração da pandemia”, explica Gláucio Dias, diretor-geral da Seed.

Dentre os itens já em discussão estão:

*Ensino híbrido (um dia aula prática na escola, outro on-line, em casa)

*Obrigatoriedade de proteção individual, como máscaras, que devem ser fornecidas para servidores e alunos da rede pública

*Os locais terão de se reestruturar e adaptar espaços para receber os alunos

*Retorno obedecendo escala por faixa etária

*Intervalos para lanche e recreação em horários diferentes evitando contato e aglomeração

*Se confirmado caso de covid-19 na escola, a instituição inteira entra em quarentena e deve ficar fechada por 14 dias

*O documento trata apenas dos ensinos fundamental e médio

Retorno pode ocorrer em setembro

O Governador Ratinho Júnior admite a necessidade de rodízio de aulas, adotando parte do ensino a distância e outra presencial. “O convívio é importante para as crianças, elas estão sofrendo em casa há quatro meses. Mas não vamos colocar em risco as vidas das crianças e dos professores. Esse modelo, estamos estudando, e o mais importante: a hora que todo o mundo tiver segurança e o Estado entender que pode liberar, faremos isso”. E acrescenta: “Acredito que antes de setembro a gente não tenha a volta às aulas na questão física”.

APP descarta volta às aulas em 2020

A APP-Sindicato integra o Comitê da Seed (Secretaria de Estado da Educação e do Esporte) e da Casa Civil e cobra a apresentação de dados e estudos da Sesa (Secretaria da Saúde do Paraná) sobre as condições que seriam ideais para o retorno das aulas sem colocar ninguém em risco.

A secretária de Finanças do Sindicato, Walkiria Mazeto, lembra que o retorno significa colocar em circulação mais de 2 milhões de pessoas que hoje estão em isolamento social – estudantes e trabalhadores da educação. “Apresentamos também a preocupação da construção coletiva de vários protocolos que organizarão o retorno das aulas. A Secretaria da Educação tem apresentado que não há previsão de data do retorno. Nós indicamos que não há previsão de retorno neste ano, pois as condições que vão dizer isso são sanitárias e epidemiológicas – e ainda não as temos”.

Greve geral

A APP-Sindicato também está embasada nas diretrizes emitidas pela CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação). Entre as formulações, está a do não retorno às aulas enquanto não tiver as condições sanitárias objetivas. A direção do Sindicato acompanha o debate nacional que traz indicativo de greve geral da educação caso estado e municípios decretem a volta das aulas sem as condições necessárias.